"Escrever é compartilhar com outros irmãos
as Lições que Aprendemos" (Péros)
Para Marcelo
com profundo Amor
Prólogo
Era uma ensolarada manhã de segunda feira, e eu estava no mercado fazendo as compras da semana, ansioso por voltar a escrever minha nova história.
Apanhei pão e suco de pêssego na prateleira do mercado e os coloquei no carrinho. Eu estava há mais de um mês na casa da praia, trabalhando no novo livro.
Todo ano eu esticava as férias de janeiro, até o carnaval, antes de voltar pra São Paulo, pois, ficar só, naquela deliciosa casa de praia, me ajudava na criação literária.
Uma moça bateu o seu carrinho no meu e logo se desculpou. Sorri pra ela, aceitando suas desculpas e ela perguntou-me se aquela marca de suco era boa.
- É a que mais gosto - respondi - e tem um preço ótimo!
Ela indagou-me se tinha de manga, e eu lhe respondi:
- Manga, pêssego e goiaba são os melhores, dessa marca!
Ela apanhou três embalagens do suco de manga na prateleira, agradeceu e seguiu pelo mercado, fazendo suas compras.
Eu prossegui do outro lado, fazendo as minhas. Parecia uma troca de gentilezas triviais, que fazemos com desconhecidos nas compras semanais... Mal sabia eu que aquela moça bonita, de corpo acinturado e quadril convidativo entraria na minha vida, tumultuando a minha serenidade e abalando a minha paz conjugal.
VITALIDADE e BRILHO
Segui com o carrinho na direção do corredor de sorvetes lembrando do último final de semana, pois era a primeira semana que ficaria só na casa da praia.
Minha esposa Luíza estivera ali com as crianças na última sexta-feira e voltara com eles pra São Paulo no domingo à noite. Fizemos amor duas vezes naquele final de semana e nadamos nus na piscina, enquanto as crianças dormiam.
Vocês hão de convir que, após duas décadas e meia de convívio conjugal, com os altos e baixos comuns aos casamentos duradouros, aquele tipo de namoro apaixonado era pra poucos...
Uma música linda dos anos 70 tocava na rádio do mercado, e eu cantarolava distraído, pelos corredores do mercado, satisfeito e apaixonado aos 54 anos, de shorts, camiseta polo e chinelo, parecendo um adolescente enamorado, querendo jogar toda aquela paixão e vitalidade juvenil para o livro que estava escrevendo.
Segui para o caixa, empurrando o carrinho de compras e, como tinha menos de 15 itens no carrinho, fui para o caixa de poucos volumes. Haviam 4 pessoas na fila daquele caixa, e entre elas estava a moça bonita que batera acidentalmente no meu carrinho.
Esperando passar o rapaz que estava à sua frente, ela me olhou, enquanto eu me aproximava. Uma simpática senhora que estava atrás dela, na fila, também me olhava. Sorri pra ambas, numa espécie de cumprimento, e a senhora falou:
- É muito bom ver alguém cantarolando feliz em plena segunda-feira!
Eu e a simpática senhora trocamos algumas dissertações, com frases curtas, sobre viver com bom ou mal humor, enquanto aguardávamos na fila, mas a moça bonita, de cabelos negros não sorriu, nem participou do nosso papo trivial. Na verdade, ela pareceu-me desconfortável com aquele bate-papo e olhou-me com certa inquietação, antes de tirar o seu celular do bolso e ignorar-nos, atentando ao seu aparelho.
O rapaz da frente saiu, e ela colocou suas compras no balcão.
Reparei melhor no quanto ela era bonita. Tinha o nariz refilado e comprido, à moda da descendência árabe. As unhas bem feitas, pintadas de vermelho. Estava bem vestida, numa calça jeans que delineava suas pernas bonitas e lombar atraente. Era nova, devia ter uns 27 anos, idade em que eu me apaixonei pela Karina, gerando profunda crise no meu casamento com a Lu. Sua camisa salmão de lycra, escondia seios firmes que jamais amamentaram...
Percebendo que eu a observava, ela jogou os cabelos, depois o ajeitou com as mãos antes de voltar a olhar-me, dessa vez com seriedade no semblante. Desviei o olhar pra não encará-la, pois meu olhar sobre ela não era uma paquera, e sim um devaneio que me trazia inquietantes recordações.
Talvez ela tivesse percebido minha vulnerabilidade momentânea, pois a partir dali teve um outro comportamento, que me intrigou.
O mundo feminino é extraordinário e absolutamente imprevisível. As mulheres tem uma maneira de demonstrar interesse e curiosidade, diferente da maneira dos homens.
Está no jeito de mexer nos cabelos ou na orelha. Está na forma de mexer a boca ou no seu olhar enviesado e indireto que por vezes parece nos despir e penetrar a nossa psique, falando um montão de coisas sem emitir uma só palavra.
A moça bonita e de quadril convidativo, estava fazendo esse jogo comigo, mas qual era o seu interesse?
Ela era jovem, bonita e sensual, e eu... apenas um homem casado e maduro que fazia compras semanais aproveitando as ofertas.
Depois que ela pagou, agradeceu à moça do caixa e demorou mais que o normal, ajeitando as compras no seu carrinho.
A senhora à minha frente terminou de passar suas compras e se foi.
Quando cheguei no estacionamento, pra colocar minhas compras no carro, notei que a moça bonita, de olhar intrigante, terminava de ajeitar suas compras na garupa de sua moto. Sem olhar-me diretamente, ela tornou a sacudir os cabelos negros, colocou o capacete, montou em sua moto e se foi, acelerando forte em marcha lenta quando passou pelo meu carro.
LAR e FAMÍLIA
Voltei pra casa, que agora estava solitária e silenciosa, contrastando o barulho e frenesi do último fim de semana. Parecia outra casa, sem a algazarra constante das minhas 4 crianças, além da minha filha de 18 anos que sempre bronqueava com eles.
Sempre quis um casamento com muitos filhos. Tenho seis, e teria mais, se não dessem tantas despesas...
O mais velho está com 25 anos. Raramente viaja conosco pois já está trabalhando e cursando engenharia. A de 18 anos sempre foi muito apegada a mim. Depois vem a Jaque, com 12 anos, os gêmeos Urias e Adriel com 11 e a caçula Lívia com dez.
Amo família, e vivo por eles. Gosto da algazarra e clima de festa que as crianças geram no ambiente, porém, estar só, me ajuda na produção literária e, após tomar o café, coloquei-me a escrever freneticamente.
INSPIRAÇÃO
Eram 4 da tarde da Terça-feira, quando me dei conta que estava escrevendo há mais de 30 horas, parando apenas para ir ao banheiro ou comer algo, sem desligar dos personagens. Tinha dormido umas 5 horas, ali mesmo no sofá da sala, mas assim que o corpo se refez, retomei a escrita do romance, sem sequer lavar o rosto.
Minha inspiração funciona assim na escrita de romances: Quando entro na história, tenho dificuldades em parar... É como se os personagens me possuíssem e escrevessem a história por mim. Por isso eu prefiro isolar-me pra escrever um novo romance, deixando que esse processo se conclua na Criação de um Novo Livro, para que, no decorrer do ano, eu possa brincar de pessoa normal em São Paulo.
Olhei pela janela da Casa da Jureia, o mar estava lindo, batendo incansavelmente nas pedras e na areia. O sol brilhava convidativo, e as pessoas normais passeavam na beira da praia.
Fui ao banheiro escovar os dentes e percebi o quanto estava horrível, com cabelo rebelde e a barba por fazer. Resolvi, trocar de roupa e dar uma volta pelo centro da cidade, para espairecer.
Barbeei-me, tomei banho. Depois troquei o shorts e a camisa. Liguei o carro e fui para a cidade, asseado.
Às 7 da noite, eu saboreava uma tigela de assai com frutas e leite condensado na mesa de um quiosque à beira mar, observando os jovens que jogavam vôlei ou futebol na praia iluminada por refletores.
Pessoas mais velhas passeavam com seus cachorros e outras andavam de bicicleta pelo asfalto da orla, enquanto o mar ganhava escuridão assustadora, mostrando vagas luzes dos pesqueiros distantes.
Adorava aquele clima de cidade costeira e Peruíbe era a minha praia preferida.
Às 9 da noite sentia-me revitalizado e pronto pra retomar o meu trabalho. Não estava com sono. Voltaria pra casa e escreveria, madrugada a dentro, até que o sono me dominasse.
O carro não pegou. Tentei várias vezes dar a partida, e nada.
Lembrei-me que havia passado forte numa lombada, logo antes de estacionar em frente a praia. Algum fio havia soltado...
Liguei pra seguradora e aguardei pelo guincho.
Às 11 horas cheguei em casa, guinchado e o rapaz do caminhão orientou-me a ligar novamente pra seguradora, agendando para a primeira hora da manhã, para levar meu carro a Rede Autorizada, que ficava na saída da cidade.
Na manhã seguinte, quando cheguei guinchado, na mecânica autorizada, eles verificaram o motor e constataram que a bobina do meu carro havia quebrado com o solavanco na lombada.
- Chame a Carla pra ela abrir uma Ordem de Serviço e encomendar uma bobina da Zafira - Disse o gerente da autorizada para o rapaz do guincho - pois não temos dessa peça no nosso estoque.
SEU NOME ERA CARLA
A moça da autorizada veio com uma prancheta nas mãos e fiquei surpreso e contente ao constatar que era a moça bonita da moto, que eu encontrara há dois dias no mercado.
Com uma educação formal e impessoal diante de seu gerente ela pediu-me que lhe acompanhasse até o escritório da Assistência Mecânica para preencher o formulário.
Dentro do escritório, isolado por vidraças, havia café e água, perto de uma mesa com computador, ao lado de um sofá de espera.
- A peça custa 180 reais, senhor Paulo - ela disse após consultar o monitor - e o senhor gastará mais 80 da mão de obra. O senhor pode parcelar esse pagamento no cartão.
- Temi que ficasse mais caro - Falei aliviado - Pode fazer o serviço.
- A notícia desagradável é que o senhor ficará sem carro por 2 dias, que é o tempo da peça chegar aqui. - Ela me informou.
Balancei a cabeça.
- Não posso ficar sem carro! Não sei locomover-me por esta cidade sem o automóvel.
- O senhor não mora aqui?
- Sou de São Paulo. Estou hospedado aqui temporariamente.
Ela assentiu e disse:
- Aguarde um momento. Vou ver como posso ajudá-lo.
Eu a observava pela vidraça do escritório enquanto ela conversava com o gerente e o mecânico da autorizada. Fui até a cafeteira e apanhei um café.
Depois de algum tempo ela retornou ao escritório fazendo anotações na sua prancheta, e me disse:
- Podemos colar o cabo da bobina para que o senhor possa se mover, até que a sua bobina nova chegue. - Ela disse, concluindo as anotações na minha Ordem de Serviço. - Não é um serviço garantido, mas estou marcando aqui que o farei a pedido do cliente.
- Obrigado! - eu concordei - Qualquer coisa que não me deixe sem o automóvel nesta cidade, eu te agradeço.
Ela finalmente sorriu, quebrando um pouco daquela formalidade gelada entre cliente e prestador de serviço.
Porém, a colagem da peça não deu certo. O solavanco danificara de tal modo a peça, que quando ligava o carro, o próprio trepidar do motor fazia com que o cabo soltasse e o motor morria.
DOCE TORMENTO
- Onde o senhor está hospedado? - Perguntou-me a moça.
- Estou no Guarau, no início da Jureia.
Ela assentiu preocupada, pois sabia que o acesso àquela Reserva Ambiental, com ruas de pedra e barro era difícil, onde o automóvel era fundamental para a locomoção.
Um pouco apreensivo pela indefinição, eu observava a moça bonita, de cabelos negros e quadril convidativo, empenhada em resolver o problema do meu carro. Ela ia e vinha, conversando com os demais funcionários da autorizada, falava ao telefone, tentando antecipar o envio da peça, pra não me deixar sem carro.
Olhando o seu profissionalismo e empenho, amparados pela sua juventude, feminilidade e leveza nos movimentos, tornei a lembrar de quando a Karina começou a trabalhar comigo na divulgação dos livros, e da paixão avassaladora que nos assolou gerando enorme tumulto na minha vida conjugal.
A moça de quadril convidativo adentrou a sala, afastando-me de meus devaneios.
- Infelizmente, sr Paulo, a peça só chegará amanhã!
- Está bem. - Eu disse, preocupado em como voltaria pra casa, pois o guincho que me trouxera já fora embora. - Tem UBER nessa cidade?
- Tem, mas, se o senhor quiser, eu te dou uma carona na garupa da minha moto. - Ela disse observando o endereço na ficha e olhando o mapa no computador. - Eu moro no centro e vou almoçar em casa. Estou a sete minutos do Guaraú, e amanhã ligarei pro senhor, assim que a peça chegar.
Fiquei feliz, e disse:
- Se não for incômodo aceitarei essa carona.
Ela arranjou um capacete pra mim e pediu-me que assinasse a papelada.
Subiu na moto e me pediu pra subir atras dela.
Obedeci, um pouco constrangido, ante o olhar do gerente e do mecânico da autorizada.
Ela saiu com a moto e me falou que iria pela orla, pois gostava de contemplar o mar na sua hora de almoço.
Durante o percurso, eu me esforçava pra não encostar nela, pra não parecer atrevido, ou aproveitador... Mas, por mais que eu me segurasse, minha perna batia involuntariamente na sua, e a cada freada, ou lombada que a moto passava, minhas coxas encostavam em suas nádegas.
O perfume dos cabelos daquela moça bonita penetravam as minhas narinas, e a sua voz, conversando comigo enquanto pilotava, me seduziam e me embriagavam sem deixar-me à vontade. Nunca havia andado de moto na garupa de uma mulher e tive medo de ter uma ereção.
A moça bonita, de perfume estonteante notou o meu desconforto, e conversava o tempo todo comigo, chamando-me de sr Paulo, procurando ser simpática. Porém, aquela sua formalidade para agradar o cliente, junto com a situação inusitada, exalando uma feminilidade familiar, que era o meu "Calcanhar de Aquiles" me faziam torcer para chegarmos logo em casa, pra eu me livrar daquele doce tormento.
ALMA APAIXONADA
Aproximando-nos do centro da cidade, pela orla, eu lhe mostrei a minha casa, na curva do morro. Ela se destacava na montanha, toda branca, com janelas e portas azuis, no meio da mata e por cima das rochas bolinadas constantemente pelas ondas do mar.
Carla parou a moto no acostamento da orla. Retirou o capacete e olhou-me de frente, com perplexidade.
- Eu não acredito que aquela casa da Pedra do Índio é sua!
- Calma, não é minha! - Falei, retirando o capacete - Eu apenas a alugo para escrever, porque ela me dá inspiração...
- Escrever?! - A bonita moça olhou-me ainda mais surpresa - Você é escritor!
Fiquei feliz. Ela finalmente usou o vocábulo VOCÊ quebrando a formalidade. Eu começava a retornar pro meu território de domínio, pra não ficar tão desconfortavelmente vulnerável como refém daquela bela e perfumada jovem à minha frente.
- Sr. Paulo dos Santos - Ela refletiu em voz alta, depois completou aturdida e entusiasmada: - Paulinho Santos... eu sabia que o teu rosto me era familiar desde que te vi no mercado. Você é o escritor Paulinho Santos! Conheço teus livros! Minha mãe tem todos os teus livros e fala de você o tempo todo! - Ela rodopiou feliz - Cara! Minha mãe não vai acreditar, que eu dei carona pro seu escritor preferido!
Desarmei-me de vez e recuperei minha confiança total.
Eu estava diante de uma fã dos meus livros. A parte mais gratificante da Jornada Literária é ser amado e admirado por pessoas desconhecidas.
Quando essas fãs são jovens e bonitas, a satisfação vem acompanhada de uma dose irresistível de Orgulho e Vaidade, que nos traz uma sensação de poder e imortalidade, que se agiganta a nossa frente, facilmente tornando-nos escravos de seus caprichos...
A moça à minha frente era jovem, encantadora, sensível e apaixonante... tanto quanto a minha literatura!
O detalhe é que a minha literatura, jamais perderia a sua jovialidade e poder de encanto, por mais que os anos se passassem.
Ela me abraçou e me beijou no rosto, com gratidão, alegria e desprendimento. Feliz como uma criança que ganhara um presente da vida.
Eu contemplava a mudança que ocorrera nela, da formalidade impessoal, e gentileza convencional, para um carinho quase familiar e puro...
Senti medo!
Aquela moça linda e perfumada, de alma iluminada, jeito espontâneo e quadril convidativo, era como a encarnação de toda a beleza e magia que eu buscava absorver do cosmo, e transmitir na minha literatura.
Parecia um sonho. Era como se toda a energia lúdica, cultivada durante décadas pela minha alma sonhadora de escritor, se condensasse no cosmo e ganhasse forma na minha frente. E sua forma era linda, sedutora e atraente, mesmo quando tivera a barreira da formalidade, que acabava de se romper.
Será que eu seria capaz de não misturar as estações, como já fizera no passado, comprometendo a harmonia do meu casamento?
Meu histórico depunha contra mim, por isso tive medo.
Mas essa centelha de medo não quebrava a magia daquele momento, em que duas ALMAS APAIXONADAS, se reconheciam no Mar da Vida, nesse Eterno vai e vem das ondas, no Universo de Deus.
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A MOÇA DA MOTO - Romance Espiritual de Paulinho Santos da Fratuni
RomantizmCarla é uma jovem encantadora, que conheci casualmente na cidade praiana de Peruíbe. Meu carro quebrou perto da Reserva Ambiental da Jureia e ela me deu uma carona na garupa de sua moto. Conversando no caminho, descobri que ela era uma fã dos meus l...