—Não acha curioso?
A pergunta me tira de órbita e fico por alguns segundos analisando-a em meu silêncio, tudo envolta tudo sempre parece quieto demais quando o ministro não está por perto, tão logo ele se aproxima as coisas começam a ficar um tanto estressantes, meu coração se acelera e eu sinto um bocado de vergonha.
Tem pelo ou menos 7 dias que não o vejo, já estava me sentindo grata porque tinha a sensação de que teria alguns dias a mais de paz para pensar sobre o noivado, o último jantar em sua residência com a mãe dele foi bem produtivo para os meus pais, eles basicamente arrumaram tudo com a mãe dele, eles inclusive já até decidiram em qual lugar poderemos comprar uma casa para morar, estava ali presa àquele transe mental vendo três pessoas tomando de conta de celebrações e decisões que eu não fazia a mínima questão de participar, só queria que tudo acabasse logo para poder ir embora, a mãe dele Azula mal me olhou na cara deixando muito evidente seu descontentamento com o fato de que eu havia sido escolhida para ser esposa de seu filho, mas também foi educada ao extremo.
Por fim, as refeições regadas por saladas e pratos com frutas frescas e saborosas acabaram e nos despedimos dos Fidel sem muitos cortejos ou rodeios, Virgo e sua mãe nos acompanharam até os portões da casa dele e então eu e meus pais partimos para a casa deles, não disse nada.
Eu queria evitar o desgaste.
No dia seguinte no trabalho Sven estava com a cara fechada para mim me tratando de forma tão seca que me sentia estranhamente rejeitada, mas não questionei, o que de fato se repetiu por todos os dias até hoje, entretanto, hoje devido à alguns compromissos com sua mãe ele teve que fechar a relojoaria mais cedo, me dispensou duas horas antes do meu expediente, vim para casa, mesmo que não quisesse, me lembrando da forma severa na qual ele me olhara durante estes sete dias.
—pulou o muro senhor ministro?—indago de onde estou.
—dei à volta—Virgo responde ainda bastante tranquilo.
—você nunca tira essa sua capa de salvador?
—cheguei em má hora? Você parece irritada?
—como soube que eu saí mais cedo?
—passei em seu trabalho e havia um aviso sobre terem fechado mais cedo então concluí que estava aqui, sua bicicleta está parada perto da porta de entrada.
Esqueci de colocar para dentro.
Só queria chegar e apreciar um pouco as estrelas, o silêncio, tomar consciência de que toda a pouca liberdade que tenho será ceifada dentro de alguns dias por conta de uma superstição boba sobre um enviado do qual eu não sei se serei capaz de trazer ao mundo.
Saber de todas as lendas, conhecê-las, tê-las estudado só parecer ser ainda pior, porque não há recursos contra as leis criadas pelo Estado, simplesmente temos que cumpri-las porque este é o nosso voto de gratidão com todos aqueles que morreram por nós e para nós, pelo nosso planeta.
Virgo se aproxima em sua capa preta cumprida e reluzente, ele tirou os sapatos e está descalço, tem pés grandes, não entendo porque parei para reparar nos pés dele, ele se senta ao meu lado no chão do terraço dos fundos.
—você está bem?—pergunta.
—sim e você?—é apenas impessoal.
—quer jantar comigo hoje? Pensei em dormir aqui com você, pedi permissão para os seus pais e eles não me negaram.
—ah não me diga, eles acham que você vai me proteger de todo esse perigo que me cerca? Da radiação? Espera! Já sei, é pra me proteger dos baixos índices de mentiras dos últimos dez anos.
—não acha curioso a forma como renega o seu destino? Isso tudo é apenas para ser, aceite o que ele tem a te oferecer e pronto.
—está falando isto porque é homem, não terá que parir um filho atrás do outro durante anos.
Ele me lança um olhar tão severo que sinto medo.
—sabe porque as leis foram criadas, nossa raça quase foi extinta, não podemos correr o risco de sermos extintos, você acha que também me agrada saber da responsabilidade de cuidar de tantas vidas?
—ainda sim...
—ainda sim você continua a agir como se o casamento fosse um fardo para você, como se você fosse a única pessoa em toda a Navie a ser forçada a um matrimônio não escolhido por você, me deixa contar algo para você, não é a única que não quer se casar.
—você também não quer, não é?
Ele me encara com seriedade.
—eu não quero—balança a cabeça para o lado levemente—mas eu não posso negar ao propósito no qual fui destinado.
Suspiro consciente de que a crença do ministro por tudo isso é muito maior do que toda a vontade que talvez sintamos juntos de não fazê-lo, olho para o céu estrelado consciente de que daqui há algumas horas o sol escaldante surgirá.
—me perguntou se achava algo curioso—digo mudando de assunto, sinto que não devo me desgastar com isso—o que é?
—as estrelas—ele responde e olha para o rumo do céu estrelado—nossa lua, as constelações em Luma com Gerne.
—na antiga terra, não usavam nomes tão diferentes para definir uma constelação—explico—eles davam nomes simples, essa constatação me faz pensar em como tantos anos nos fez mudar.
—você não acredita que nossa filosofia de vida seja saudável para nós—é uma conclusão dele.
—eu acredito que devemos ser donos de nós mesmos, mas o Estado Majoritário nunca entenderia isso, porque todo homem que é tomador de si mesmo quer ser tomador de poder e o poder é uma coisa que não pode ser tomada por nenhum homem, os antigos sábios dizem que devemos compartilhar nossos aprendizados, para os tolos que deixemos...
—o poder, porque o aprendizado é a maior arma contra qualquer poder inventado pelo homem—Virgo completa muito reflexivo—é um bom pensamento.
Pensar em poder me trás a reflexão sobre o Oráculo e isso me faz lembrar de algo.
—como acha que ele vai ser?—indago um pouco incerta.
—ele?
—é? o nosso filho!
VOCÊ ESTÁ LENDO
Evergreen
General FictionUma conveniência imposta por uma regra social obrigatória, um mundo onde não há amor maior do que o que podemos cultivar pelas leis. Hielena é a escolhida para se casar com o temido ministro Virgo, o homem de capa preta, mas seria ela corajosa o suf...