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Lavínia: início de fevereiro de 2022

A sensação de fim de férias foi horrível ao mesmo tempo que foi um alívio. Pelo menos a medicina vai voltar a ocupar meu tempo e minha cabeça, levando pra longe - ou pelo menos tentando levar - os pensamentos bobos sobre gostar de Gabriel que ficam o tempo inteiro na minha cabeça.

"Cê acha que se o Giorgian fizer um vídeo pra votarem em mim, eu ganho a vaga dessa vez?"

Débora semicerrou os olhos parecendo pensar de verdade na hipótese.

"Acho que sim, mas não precisa. O Caio não vai se candidatar, então a vaga já é sua."

Ela pareceu chocada e me olhou enquanto continuávamos a andar lado a lado no corredor, perguntando com os olhos como eu sabia disso.

"Ele me mandou essa mensagem..." - Tirei o celular do bolso e cliquei na segunda conversa no topo do Whatsapp, já entregando o aparelho em seguida pra ela que começou a ler numa voz baixa:

"Oi Lalá, bom dia! Tudo bom? Espero que sim. Credo, amiga, por que ele não fala logo o que quer? Quero te avisar que a vaga no grêmio estudantil pode ser da Débora Paduan, eu não vou me candidatar esse semestre. Beijos, qualquer coisa você sabe que estou aqui."

Déb continuou de olhos semicerrados e em silêncio até nós nos sentarmos no banco de cimento perto das árvores. Meu sorriso morreu no rosto e eu guardei meu celular enquanto dizia:

"Eu estava feliz com essa notícia, mas não tô entendendo essa sua cara."

Ela respirou fundo e jogou o cabelo pra frente pra poder finalizar o black power enquanto explicava:

"Eu conheço o Caio, Lá. Ele não ia abrir mão dessa vaga assim, alguma coisa está acontecendo." - Juntei as sobrancelhas e ela inclinou um pouco a cabeça pra me olhar enquanto amassava os cachos. - "Você percebeu que ele nem veio essa semana ainda?"

Arqueei os lábios pra baixo negando.

"Eu não presto muita atenção nele, na verdade." - Eu disse e parei pra beber um gole de água antes de continuar a falar. - "Mas agora que você comentou, eu notei que estamos lanchando em paz há muito tempo mesmo e ele não me ofereceu carona nenhuma vez. Ah, e o laboratório de patologia tá todo sujo, sinal que ele não cobrou ao diretor a limpeza semanal."

Débora levantou finalmente a cabeça perguntando se o cabelo estava bonito antes de concluir o assunto:

"Tá vendo? Eu disse. Mas, não se encana não que isso deve ser livramento."

Assenti devagar com a cabeça antes dela começar a planejar a campanha eleitoral pra presidente do grêmio estudantil.

Lavínia: meados de fevereiro de 2022

"Gracinha, a senhora tem visto a dona Iolanda?"

"Filha, tá todo mundo comentando até na guarita dos porteiros sobre esse sumiço dela. A Helena, sabe a Helena secretária doméstica da casa dos Jacinto que fica na última rua aqui do condomínio?" -  Fiz que sim com a cabeça por ter uma leve lembrança da senhora loira, mas Gabriel se intrometeu falando e mastigando o almoço dele ao mesmo tempo:

"Sei quem é não, mas conta."

A jovem senhora riu mas eu continuei quieta esperando o final da história:

"Então, a Helena conhece a Iolanda porque ela já trabalhou junto com ela lá pra os Lira, e ela acha que a Dona Vivian deve estar tendo crises, por isso o sumiço de todos eles."

Fiz um "Ah" silencioso e voltei a comer. Mais uma vez Gabriel disse de boca cheia:

"Tá bom... Não entendi nada. Quem é esse povo todo? Crise de quê? De dinheiro?" 

Gracinha explicou:

"Os Lira são a família do seu Caio, o senhor tá lembrado dele?"

Gabriel bufou e me olhou de rabo de olho, mas eu fingi que não vi, antes de concordar que "infelizmente sei quem é o filho da puta."

"A Dona Vivian é a mãe dele, ela é bem doente, tadinha. A Iolanda trabalha lá desde que o menino nasceu, a Helena trabalhou uns anos mas saiu quando seu Arnaldo faleceu e foi pra casa dos Jacinto."

"Ela é doente de quê?"

Ele perguntou e eu fiquei atenta.

"Ela tem uma doença degenerativa... como que é nome, meu Deus? Uma que a pessoa se treme, dona Lavínia?"

Engoli a comida antes de responder:

"Falando assim não dá pra saber, mas o que ela tem é epilepsia que o Caio já me contou uma vez. Ah, tavam investigando sobre o mal de Parkinson também."

"Isso, filha! Sabia que tinha mal de tremedeira. Sei que ela além dessas doenceira tudo aí, tem depressão também. Mas a senhora tá sabendo de alguma coisa?" 

Neguei com a cabeça levantando pra colocar meu prato na pia.

"Só tá todo mundo achando estranho que o Caio não apareceu na faculdade ainda desde o início das aulas. Desistiu de todos os cargos que ele era presidente, do grêmio estudantil, da liga acadêmica, do time de debate, de tudo. Mas ele tá matriculado, tá ligada? Geral na faculdade sem entender nada, ele não responde mensagem de ninguém, não atende, a entrada de todos os amigos dele foi proibida aqui no condomínio. É tanto que semana passada o Arthur pediu pra eu liberar a entrada dele e ele ir lá, eu liberei e tudo, mas diz ele que a Iolanda não deixou ele passar do Jardim da casa, por isso que eu perguntei dela. A senhora acha que consegue ir lá e descobrir alguma coisa?"

Antes que Gracinha respondesse, Gabriel largou o prato na mesa e disse:

"Não tô acreditando que tu tá indo atrás desse cara, papo reto mermo."

Juntei as sobrancelhas. Primeiro ele não sente o mesmo que eu e agora dá crise de ciúmes? Reclamei:

"Você tá ficando louco?"

Gracinha pediu licença e saiu da cozinha. Fiquei alguns segundos esperando Gabriel responder alguma coisa, mas ele continuou de braços cruzados me encarando.

"Eu não estou entendendo isso, de verdade. Me explica que eu quero entender! Você não fala comigo direito desde que chegou de Santos das suas férias e esse show da Xuxa agora é o quê?" - Ele continuou em silêncio e eu completei: - "Não responde aparência senão eu..."

"É ciúme."

Eu já sabia o que era, mas ouvir ele confessando me deixou sem palavras.

"Não era isso que tu queria saber? Eu tô com ciúme de você. É isso! Satisfeita?"

"Você é muito doido." - Gabriel se levantou e eu continuei falando. - "Uma hora você não gosta de mim e me ignora, outra hora você vem atrás de mim, outra hora você fica encarando a sua ex na minha frente, outra hora tem ciúme."

Ele se aproximou ficando na minha frente.

"Eu sou confuso."

Ri fraco.

"Nem deu pra perceber."

Desviei do corpo tatuado e subi pro meu quarto.

*80 votos para o próximo.

Casamento Arrumado - GabigolOnde histórias criam vida. Descubra agora