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Lavínia: dia seguinte

"Bom dia, amor." - Gabriel disse com um sorriso assim que eu abri a porta do quarto dele.

"Se você me chamar assim de novo vão entender que a gente voltou e você vai continuar lesionado porque não vou poder te operar." - Respondi mordendo um sorriso e virando de costas pra ele pra olhar pra tomografia computadorizada que estava exposta na parede.

"Mesmo com esse jaleco dá pra ver que você continua com uma bunda gigante." - Virei pra olhar pra ele que sorria safado pra mim.

"Vou te processar, Gabriel Barbosa."

"Não vai não." - Não consegui mais segurar o sorriso e peguei a caneta para marcar os locais da cirurgia. Assim que o bocal encostou na pele da perna esquerda dele, Gabriel se sobressaltou na cama:

"Calma aí Lavínia, essa é a perna errada caralho. Meu pé do pênalti, porra." - Eu gargalhei ainda escrevendo um Não vermelho na canela tatuada.

"Eu sei disso cara, por isso que tô botando um não. Pras enfermeiras não prepararem o pé errado." - Expliquei e o rosto preocupado dele relaxou. Gabriel se encostou de novo na cama rindo:

"Cu trancou aqui. Já tava pensando, meu Deus essa mulher quer acabar com a minha carreira?"

Parei de sorrir e fiz a minha melhor cara séria: - "Quando você estiver dormindo numa maca na minha frente, quem sabe eu não quebre todos os ossos dos seus pés por vingança?" - A cara de pavor dele me fez dar uma gargalhada.

"Vai tomar no cu, Lavínia. Brincadeira mó sem graça, zika isso aí." - Ele puxou o pé que eu examinava claramente nervoso e isso me fez rir mais.

Entreguei a roupa que ele tem que usar no centro cirúrgico e expliquei: - "Essa parte aberta é pra trás e o nó do amarrado tem que ser nas costas também."

Gabriel abriu o tecido dobrado e ergueu no ar sacudindo. Ao notar o tamanho da abertura nas costas, ele deu um sorrisinho safado e me olhou ao dizer: - "Quê isso, amor. Se você quiser ver a minha bunda não precisa me mandar vestir isso não, eu mostro pra você pô."

Ele largou o pano e começou a se virar na cama enquanto eu ainda ria. - "Ô idiota, essa bunda aí eu já vi mil vezes. É porque se você passar mal é mais fácil de socorrer pelas costas do que pela frente, isso é protocolo médico."

Gabriel deitou de novo cruzando os braços e negando com a cabeça com descaso. - "Amor, você sabe que isso é mentira. Você só quer ver a minha bunda, assume logo."

A voz brincalhona dele não me deixava tirar o sorriso bobo do rosto, e é claro que o amor reascendido no meu coração contribui para isso.

"Se você passar mal durante a operação, eu não tenho força nenhuma pra levantar um homem desse tamanho e ainda abrir a roupa. Por isso a fenda nas costas." - Expliquei de novo mesmo sabendo que isso não adiantaria.

"Meu tamanho e abrir as minhas roupas nunca foram um problema pra você." - O sorriso safado, a voz baixa e arrastada e o brilho nos olhos embora fossem antes das seis da manhã deixavam claro o duplo sentido da frase. Pelo queimar no meu rosto eu soube que estava ficando vermelha, por isso Gabriel disse: - "Continua tímida né? E se apagar a luz?"

Larguei a touca que estava segurando pra entregar a ele e reclamei: - "Por Deus, cara. O que é que você tem hoje?"

Por ser uma pergunta retórica não esperei que ele respondesse, mas Gab o fez: - "A mesma coisa que tenho há seis anos: saudade."

Engoli seco, isso me desestruturou totalmente. Ele por si só tem me desestruturado desde ontem quando apareceu aqui, sempre com as mesmas coisas que me fizeram me apaixonar: o corpo tatuado, o deboche até em cada movimento do corpo, o ar sempre brincalhão.

E claro, o fato dele estar o tempo inteiro me chamando de amor e ter dito ontem que me amava, colabora com a desconstrução da barreira fina como uma película de plástico que fiz em volta de mim. Da redoma em volta do meu coração.

"Você... Não parece nervoso. Qualquer outro jogador de futebol estaria morrendo de medo dessa lesão." - Comentei fazendo anotações que poderiam ser feitas depois na pasta prontuário, mas estou fazendo agora porque a verdade é que não quero sair daqui.

"É por que eu confio em você." - Ergui minha cabeça do papel para olhá-lo. - "Sei que tu vai tirar onda e deixar meu pé melhor do que ele era."

"Obrigada pela confiança."

"Eu que agradeço, amor."

"Eu ainda acredito em Karma sabia? Aquela coisa de pessoas boas merecem coisas boas, tudo que você faz volta pra você... Tô falando isso pra te contar que os livros de medicina que seu cartão sem limite pagou são responsáveis por eu saber esse procedimento e aplicá-lo no seu pé. O bem que você fez pra mim voltou pra você."

Gabriel deu um sorriso bobo. - "Já tinha voltado só com esse seu sorriso de felicidade por ter se formado. Eu sempre soube que você ia longe e fico feliz de ter feito parte disso." - Sorri de volta pra ele que me chamou pra mais perto com os dedos, me aproximei da cama de Gabriel com passos lentos. - "Posso pedir uma coisa?"

"Pode."

Ele lambeu os próprios lábios e pegou na minha mão me puxando pra perto. Senti os pelos descoloridos do meu braço se arrepiarem só pelo leve roçar de nossas mãos. - "Um beijo." - Pisquei os olhos algumas vezes completamente surpresa.

"Gabriel..."

Gab se endireitou na cama e dei um sorriso frouxo brincando: - "Se eu morrer na mesa de cirurgia você vai se arrepender."

Empurrei o ombro dele com um pouco de força. - "Para de falar merda, cara. Tá louco? Vira essa boca pra lá, idiota."

"Vou virar pra cá." - Ele disse antes de apertar uma mão na lateral do meu pescoço e juntar os nossos lábios. Primeiro num selinho macio e demorado e depois encaixando seu lábio inferior embaixo do meu antes de pedir passagem com a língua. Me perdi ali até que o ar nos fizesse falta, aproveitando pra tocar os ombros e braços e fios de cabelo dessa vez completamente escuros que me fizeram tanta falta por esse tempo todo.

Quando separamos nossas bocas Gabriel desceu a dele pelo meu pescoço e passou as mãos pra dentro do meu jaleco, por isso precisei de toda minha força pra nos afastar. - "Eu tenho que ir me paramentar e a qualquer momento a equipe de enfermeiras vai vir aqui pra te levar."

Gabriel assentiu meio a contragosto e eu apertei o passo pra sair do quarto antes que alguém nos pegasse e eu não pudesse mais ser a sua cirurgiã e ter controle do que vão fazer no pé do amor da minha vida. Da porta, olhei pra ele que me chamou e dei um sorriso ao interromper:

"Não me fale coisas bonitas ou me peça mais nada, vai dar tudo certo. Deixa pra falar o que você quer quando acordar, ok?"

Gab deu um sorriso fraco. - "Na verdade, eu ia dizer que a gente termina isso depois da cirurgia."

Saí do quarto até a sala de operação com um sorriso no rosto.

*Próximo da maratona quando bater 150 votos.
Maratona 2/3

Casamento Arrumado - GabigolOnde histórias criam vida. Descubra agora