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Lavínia: dia seguinte

Toquei a campainha da minha antiga casa e Gracinha demorou alguns minutos pra aparecer. Ao me ver, ela teve a alegria de sempre: me abraçou, beijou meu rosto, disse que estava morrendo de saudade e que a casa não era mesma sem mim. Depois de tudo isso, ela fez uma cara de quem precisava me falar algo, fechou a porta de madeira atrás de si e disse:

"Seu Gabriel tá em casa."

Juntei as sobrancelhas e ajeitei minha bolsa no ombro antes de cruzar os braços desconfortável. - "Ele me disse que ia pra uma reunião agora de tarde."

Gracinha fez que não com a cabeça várias vezes. - "Que nada, filha. Ele nem pro treino de manhã não foi, tá falando de uma dor não sei aonde."

Estalei a língua e disse: - "Isso é mentira, dona Graça!"

Ela concordou comigo e disse: - "Cara de pau ele, porque aquela mulher da bocona vive aqui. Falta de respeito do caralho com a senhora, com o lugar que era casa de vocês."

Só fiz que sim com a cabeça, eu já sabia disso e era o motivo de eu pela primeira vez na vida estar sendo mais seca e grosseira com Gabriel. Se eu continuasse doce com ele, na verdade nem era doce, mas sem conseguir tratá-lo diferente, eu ia sofrer mais. Decidi pensar em mim primeiramente.

"A senhora vai entrar?"

"O Zé comeu hoje?" - Ela negou com a cabeça e por a informação estar vindo dela, eu acreditei e respondi após um suspiro: - "Vou, né? Fazer o quê?"

Gabriel: nesse dia

Pela demora entre o momento que a campainha tocou e o momento que Lavínia entrou na casa, eu soube que Gracinha estava contando alguma coisa pra ela. Só espero que isso não dificulte mais a minha vida.

Passei a mão no rosto e no cabelo algumas vezes antes de descer as escadas devagar. Ao olhar pro jardim, me senti num naqueles momentos que você sente que já viveu antes, um dejávu. Mas nesse caso, Lavínia de cabelos presos gritando e gargalhando enquanto Zé corria atrás dela e tentava derrubá-la no chão, é uma cena que já vi muito.

Devo ter ficado muito tempo parado no último degrau da escada olhando pro lado de fora, porque só me mexi quando senti Pitter passando pelo meio das minhas pernas e correndo até o jardim, provavelmente por ter ouvido a voz de Lavínia. Ela estava de costas quando ele ficou de pé e pôs as patinhas nas panturrilhas definidas dela, atraindo a atenção da minha ex mulher pra ele, e consequentemente pra mim já que ao virar de costas ela me viu.

Me preparei pra um ataque, um grito, um surto, mas ela apenas fingiu que não me viu e voltou a atenção aos cachorros que não paravam de latir e de se jogar nela.

Me aproximei devagar e cocei minha nuca ao tentar puxar um assunto, mas não consegui pensar em nada. Caralho de mente filha da puta, se fosse um deboche tenho certeza que estaria na ponta da minha língua.

Pra minha sorte, ela falou comigo. Não da forma doce, gentil ou solidária de sempre, mas pelo menos falou: - "O Pitter chegou que dia?"

"No começo da semana, meus pais e a Dhiô viajaram e deixaram ele aqui."

Ela fez que sim com a cabeça e não perguntou mais nada, apenas continuou brincando com os dois cachorros. Me abaixei pra pegar uma bolinha e jogar, pra ver se um dos dois correria até mim, mas eles apenas olharam e continuaram com ela.

"Cancelaram a minha reunião."

Lavínia me olhou com cara de poucos amigos e arqueando as sobrancelhas. - "Aham, tá."

Sorri sem graça. - "Foi, pô."

"Gabriel eu nasci em 2002, não foi ontem não."

Isso me fez juntar as sobrancelhas. - "2002? Puta que pariu, quem nasceu em 2002 já tem 20 anos? Eu casei com uma pessoa de 2002?"

Lavínia cansou e pegou a bolinha que antes eu tinha jogado pra poder jogar pros animais:

"Você tá o quê, usando droga agora? Óbvio que quem nasceu em 2002 já tem 20 anos em 2022."

Fiquei em silêncio vendo ela jogar o brinquedo pros cachorros, se jogar na grama com eles, sorrir... Era uma cena que eu sempre via um ano atrás, mas que agora é tão distante que eu só consigo parar hipnotizado olhando.

"Dona Lavínia, tô indo. A senhora vem comigo?" - Gracinha perguntou digitando algo no celular e Lavínia fez que sim com a cabeça já dizendo tchau pros cachorros. - "A gente vai levar a Giulia no médico, viu seu Gab?"

Seu Gab? O efeito Lavínia é forte mesmo. Até hoje de manhã essa mulher mal me respondia.

"Suave, Gra. Quando o neto da senhora nasce mesmo?"

"Metade de maio."

Olhei pra Lavínia que estava sentada calçando um tênis. - "Acho que nasce perto do dia do Guto, né Lalá?" - Ela apenas concordou com a cabeça.

Pensei em oferecer de levá-las, mas sabia que a resposta seria negativa, então apenas deixei as duas saírem. Não demorou muito pros cachorros começarem a latir eufóricos procurando por Lavínia pela casa, mas não adiantava, ela já estava longe.

Zé correu na minha frente e ficou latindo alto pra mim, eu apenas disse baixo: - "Não posso fazer nada, cara. Ela foi, tu acha que eu também não queria que ela ficasse?"

Está cada dia mais difícil esse aperto no peito.

*120 votos para o próximo. @birighter no Instagram, estarei sempre soltando spoilers e avisos.

Casamento Arrumado - GabigolOnde histórias criam vida. Descubra agora