Texturas, cheiros, sabores e sons. Eram tudo o que Cecília precisava para sentir o mundo ao seu redor.
A mulher de pele rosada e cabelos dourados, possuía olhos cinzentos e vazios. Não tinha o dom divino da visão.
Aquilo que fora tomado por outros como uma maldição, na verdade era consequência de uma infelicidade.
Era conhecida como uma mulher castigada por suas atitudes em Naxos, então, foi levada até Tessália, onde teve uma pequena chance de recomeçar sua vida.
Já acostumada à cegueira quase total, passou a usar uma venda em seus olhos, para que não perturbasse as pessoas com a falta de vida e emoções em suas iris esbranquiçadas.
Foi difícil estabelecer-se, mas sua única oportunidade de ser uma cidadã ativa e com direitos, foi trabalhar para um comerciante de cestas e artigos feitos de palha e tecidos pobres.
Foi ali que mais um mausoléu em sua vida surgiu.
Aécio era um homem puramente mau. Inicialmente, fora coagido por seu idoso pai à contratar aquela mulher para trabalhar consigo, mas com o tempo, acomodou-se com a ideia da moça fazer todo o trabalho duro, enquanto ele faturava.
Cecília passou bons anos de sua vida fazendo telas. Bases para que Aécio desse forma e vendesse.
Tinha cicatrizes horríveis em suas mãos, mas seu coração sangrava ainda mais pelos maus tratos.
Durante a noite e dias em que Aécio simplesmente desaparecia, usava suas horas livres para passear pela ilha. Fazia isto sempre que podia, até que estava habituada à todo e qualquer detalhe dos arredores.
O único lugar que não fora ainda, era o alvo de sua curiosidade.
Uma parte aparentemente inabitada da zona oeste da ilha.
Já caminhara por ali, mas fora instruída à não adentrar a floresta, que levaria à costa.
Haviam boatos de uma criatura terrível que assassinava sem dó qualquer um que pisasse em seus domínios.
Por algum tempo, guardou aquela curiosidade no fundo de sua mente, mas, numa noite especialmente quente e agradável, decidiu que seria cuidadosa por ali, mas iria. Afinal, após alguns meses, era notícia recorrente que muitos homens foram até o local para matar tal monstruosidade.
Caminhou calmamente pela estrada terrosa, até que chegou aonde seus sentidos não conheciam com clareza.
A lua ia alta no céu, iluminando a pele alva de Cecília, que respirou fundo e esgueirou-se, mata à dentro.
Deu alguns tropeços aqui e ali e utilizou as mãos para sentir as árvores, rochas e afins.
Pela temperatura do local e a escuridão maior ainda, soube que as árvores não permitiam que o céu espiasse o solo dali.
Pôde sentir os pés umidecerem e pinicarem, então diminuiu o passo, agindo com cautela. Ao esticar um dos pés, seus dedos tocaram a superficie morna de um olho d'água que ali possuía.
Sua mente trabalhava à todo vapor, colhendo informações sobre o local. Guardava texturas, sensações e caminhos como um mapa e usava seus pés como bússola.
Sentou-se para descansar e molhar os pés um pouco.
Ouvia o som da noite, grilos e insetos eram perceptíveis ali. Sem sinal de monstro assustador assassino.
Passou alguns minutos murmurando uma melodia, até que, já que não havia ninguém ali, ousou despir-se, e entrar na água.
Pisou no fundo, sentindo pedrinhas e areia fina. Na altura de sua barriga, a água dançava, arrepiando seu corpo.
Enquanto soltava seu cabelo, não pôde perceber que dois olhos verdes amarelados a encaravam ao longe.
A criatura observava as costas de Cecília, cobertas por um manto de cabelos loiros, que escorriam até a base da coluna.
O que diabos uma mulher fazia ali?
Era uma artimanha de Atena para matá-la? É lógico que não poderia ser!
Como alguém tão indefeso poderia fazê-la mal? Pelos Deuses, a mulher estava banhando-se numa clareira à alta madrugada!
Medusa se aproximou, vagarosamente. Com a cabeça fervilhando em teorias a pranoias. Mantinha seus olhos vidrados na figura feminina, pronta para qualquer ação.
Nada pôde surpreender mais a antiga sacerdotisa, do que quando a mulher virou-se diretamente para ela.
Talvez o sibilado das serpentes em sua cabeça à tivessem atraído.
A mulher nua diante de si possuía uma maldita venda sobre seus olhos, estava preparada. Definitivamente fora até ali para matá-la, não é?
Usou sua vantagem para esgueirar-se para o outro lado do olho d'água, de forma silenciosa, contornando o corpo da mulher com os olhos. Estava desarmada.
Após perceber que a pessoa à sua frente não tomaria nenhuma atitude contra si, saiu da relva, se aproximando da água sorrateiramente.
Cecília se incomodou com o aperto em sua cabeça e, tateou o chão fora da água, procurando suas vestes e sua bolsa.
Ao levantar o corpo e colocar as mãos para trás da cabeça, soube que estava sendo observada de perto.
Com muita cautela, removeu o pedaço de tecido branco de seu rosto e repousou no solo.
Não houve gritos agonizantes, nem convulsões violentas.
A mulher estava viva e encarava Medusa, frente à frente.
Atormentada, olhou para Cecília. Era Medusa quem estava paralisada diante de seus olhos.
Eram pálidos, apáticos e... não à viam.
— Quem... — a voz suave se fez audível, quebrando o silêncio — Quem está aí?
•••
N/A: Pois, muito boa noite meus amigos!Primeiro capítulo em mãos, pra vocês conhecerem as protagonistas e dar o ponto de partida inicial pro nosso rolê aqui.
Acredito que não será uma história muito longa, mas os capítulos estarão sempre caprichadinhos, viu?
Serão postados dia sim/dia não à partir de segunda feira (logo, teremos capítulos segunda, quarta e sexta!), mas como começamos hoje, amanhã vamos sabadar com o segundo capítulo, ok?
Vejo vocês amanhã 🖤
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Petrificar / [versão não revisada]
RomanceQuantos sentidos são necessários para poder amar alguém que não pode ser cobiçado? A besta profana do oeste grego encontrou sob a luz do luar aquela que não pode ser afetada por sua maldição. Tal criatura era a única que Medusa não poderia petrifica...