Era a primeira vez em muito tempo que Medusa ouvia a voz de alguém tão suavemente, tão perto. Sem contar que proferia palavras diferentes dos habituais gritos de horror, ou insultos.
— Olá? Eu sei que você está aqui. — Cecília mantinha o rosto na direção de Medusa, mas seu corpo se movia, em busca de suas roupas. Os braços se moviam rápido, e conforme se retirava da água cristalina, Cecília prosseguia falando — Se perdeu por aqui?
Não obteve nenhuma resposta, e poderia até cogitar estar enlouquecendo. Estaria falando sozinha, na floresta assombrada por um bicho folclórico?
— Eu não posso ver você, mas consigo sentir que está perto de mim, sabe? — já vestida, com o tecido claro de suas vestes colando em seu corpo molhado, Cecília esticou os braços e, movendo-os para todos os lados, tentava chegar perto da pessoa desconhecida.
Medusa permanecia imóvel. Suas íris estavam afiladas como fendas, os animais peçonhentos em sua cabeça começavam a se agitar e toda a sua pele estava arrepiada. Se sentia alerta como um verdadeiro bicho.
— Está ouvindo? — Cecília parou no lugar, erguendo o rosto para o céu e aguçando os ouvidos — Tome cuidado, podem haver cobras pelo chão.
"Que mulher irritante.", pensou Medusa.
Pensava em formas de afugentá-la, mas a moça estava curiosa, então, Medusa não teve outra escolha.
— Você não deveria estar aqui.
A voz feminina surpreendentemente grave fez com que Cecília parasse de se mover e voltasse seu corpo na direção do som.
— Há um... monstro por aqui, não sabia disto? — Medusa continuou.
— Eu soube, mas não tem nada além de insetos e plantas aqui.
— Como você...
— O que você — Cecília enfatizou, interrompendo-a — está fazendo aqui? Se perdeu?
— Não é da sua conta. Só saia daqui, imediatamente. — disse e deu as costas para a mulher.
Cecília calçava os sapatos, ouvindo os passos se afastarem. Assim que pegou sua bolsa, começou a andar rapidamente.
— Ei! Espere!
— Vá embora! — Medusa falou, inflexível.
Medusa esgueirava-se pela mata, escutando os passos desengonçados atrás de si. Bufou, revirando os olhos e voltou seu corpo bruscamente para trás, trombando com a mulher.
Usou uma das mãos para segurar aquela pessoa pelo pescoço, levantando-se do chão. Inconscientemente procurava seus olhos, que deveriam ser seu ponto fraco contra a criatura, mas, nada.
— Eu mandei que saísse, por quê não segue seu rumo? — falou entre dentes, ouvindo-a engasgar, enquanto sentia o pescoço fino por entre seus dedos. Suspirou e largou o corpo no chão, a mulher tossia e usava as mãos para massagear o pescoço, local que ficava fortemente avermelhado. — Não irei pedir com educação novamente.
Desta vez, Medusa não olhou para trás, ao sair. Tampouco foi seguida. Cecília estava perturbada o suficiente.
Sentir as mãos frias, magras e rígidas em seu pescoço a assustaram. Seu tornozelo doía um pouquinho e, para seu azar não sabia onde estava.
Tentou voltar para o olho d'água, mas não conseguia encontrar o caminho, então, desesperada , sentou-se no chão, encolhida contra uma árvore.
Adormeceu antes que pudesse perceber, abraçando os joelhos e apoiando sua bochecha sobre eles.
Na manhã seguinte, Aécio foi até o cômodo externo, onde Cecília dormia e encontrou o chão vazio. A procurou por todos os lugares aos arredores de seu casebre, e espumando de raiva, chegou à conclusão de que havia fugido. E isto por si só não o interessava, mas sim o prejuízo que isto o causaria, afinal, ela o devia até os ossos pelos anos de abrigo que havia lhe cedido.
A verdade é que Aécio não gostava de surpresas, nem de ser contrariado, então, buscava motivos para procurar e punir Cecília.
Poderia deixá-la em paz? A resposta é sim, mas jamais consideraria tal hipótese.
Cecília soube que era de manhã pelo barulho dos pássaros, mas acordou sendo encharcada por um temporal que anunciou o começo de um novo dia.
Muito diferente da noite passada, agora o clima era denso, úmido e gelado. Esfregava os braços, enquanto caminhava novamente sem rumo, na esperança de chegar à uma estrada aberta, mas adentrava cada vez mais naquele desconhecido.
Sentia os dentes baterem e os pelos corporais se arrepiarem, até que uma lufada de ar a atingiu e pelo cheiro, somado à textura em seus pés, soube que estava na praia. Dali seria mais simples de contornar a ilha, só teria de escolher um lado para seguir.
Sentia a água fria castigar sua pele exposta, ardendo um tanto devido ao sal presente no ar. O corpo pedia descanso e apresentava sinais de desnutrição, afinal estava há mais de vinte horas sem se alimentar.
Já exausta e com frio, foi perdendo a força das pernas, até que deixou o corpo cair na areia.
Quando a chuva parou, Medusa, que estava em sua guarita, foi até a entrada, passando por entre as estátuas de pedra que preenchiam a caverna.
Olhou ao longe e avistou algo jogado ao relento, sob a areia da praia.
Revirou as iris ao chegar perto e constatar que era a mesma mulher de outrora.
Ao olhar para a figura, mais pálida do que nunca, amaldiçoou-a mentalmente e, com muito custo, segurou-a em seus braços, levando-se para dentro da toca enrustida na montanha ali presente.
•••
N/A: Boa noite, gente! Obrigada à todos que começaram a ler o livro e embarcaram nessa ideia comigo.Nota à respeito do casal: Eu vi um pessoal falando que essa moça loira do desenho seria Themis, a deusa da justiça, mas o responsável pela arte deu o nome de Theia pra ela, mas não aparenta ter nenhuma relação relevante. Já que é assim, eu vou desconsiderar e continuar com a ficção que eu criei, ok? Tendo como única semelhança, a Medusa, a aparência de ambas e o contexto inicial. Belê?
A gente se vê na segunda, boa noite 🖤
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Petrificar / [versão não revisada]
RomanceQuantos sentidos são necessários para poder amar alguém que não pode ser cobiçado? A besta profana do oeste grego encontrou sob a luz do luar aquela que não pode ser afetada por sua maldição. Tal criatura era a única que Medusa não poderia petrifica...