O dia ainda não havia amanhecido por completo, mas Cecília já estava em pé. Sentou-se do lado de fora da caverna, com um cobertor e, usando um caderno e grafite — que achara nas coisas dos homens que haviam morrido por ali —, começou um esboço.
Antes de perder o sentido da visão, Cecília era um pequeno prodígio em artes plásticas. Era uma exímia desenhista e podia retratar praticamente qualquer coisa com seus traços.
Ao longo dos anos, conseguiu desenvolver sua arte sem poder enxergá-la. Com sua idade atual, dominava sua tela e pincel, seja lá qual for o material usado.
Puxou na memória a noite passada e sentiu as bochechas corarem. Estava encantada com a perfeição do rosto de Medusa.
Acabou se fechando um pouco após os acontecimentos de ontem, pois ficou tímida e um tanto abobada. Será que Medusa havia ficado chateada?!
Deixou sua mente tagarelar enquanto desenhava e sombreava e esfumava com os dedos.
Sentiu calor e soube que o sol já havia aparecido no horizonte. Juntou suas coisas e se levantou, se preparando para entrar.
Já estava acostumada com as estátuas postas na entrada da caverna, espalhadas. Então andava devagar por ali, desviando de todas com calma. Quando passou por elas, sentiu um peso chocar contra seu corpo e caiu para trás.
— Ai! De novo?!
— Onde você estava?! — Medusa questionou, afobada.
— Estava pegando sol, o que houve?
A respiração da mulher-cobra estava descompassada, as íris estreitas e as serpentes agitadas
— Medusa... — Cecília se levantou — O que aconteceu, está tudo bem?
— Não suma deste jeito. — virou as costas e voltou para dentro da caverna.
Os olhos de Cecília se arregalaram por trás da venda e ela a seguiu.
— V-você ficou preocupada?!
— Não. — continuou andando.
— Achou que eu tivesse caído lá em baixo e morrido, não é?
— O quê?! — finalmente parou e se virou para Cecília.
— Por que estava tão desesperada?
— Eu não estava.
— Eu sou cega mas... — pensava num jeito de falar que conseguia perceber as coisas — Você entendeu!
— Eu pensei que tivesse fugido.
— Por que eu fugiria, depois de rastejar implorando para ficar aqui?
— Esqueça esta história. Vá pegar seu sol.
Cecília ficou parada, ouvindo Medusa se afastar. Percebeu que ela ia até a queda d'água onde se banhavam e decidiu seguí-la. Seu comportamento estava estranho.
Pôde ouví-la entrar na água e suspirar, então encostou o dorso numa pedra, cruzando os braços. Pirragueou e ouviu a mulher se assustar.
— O que está fazendo aí parada?!
— Estou espiando você tomar banho. — falou, ironicamente — O que acha? Quero saber o que foi aquilo, agora à pouco!
— Só estranhei que não estava deitada.
— Você... acha que eu roubaria algo seu?
— Como?
— Pensei que tivesse achado que eu estava te roubando, já que falou que eu estava fugindo.
— Não tem nada para você roubar aqui.
— Estão por que está desconfiando de mim?
— Ah, inferno! — Medusa soltou um suspiro alto, de pura impaciência. Moveu-se rápido até Cecília, saindo da água gelada, segurou o tecido do vestido dela, próximo ao decote e aproximou os rostos — O que você quer de mim?
— Quero que você relaxe! Que suspeita é esta? O que eu faria contra você à esta altura?
A mulher com a pele úmida encarava a outra à sua frente, que, ao sentir sua presença, esticou o braço e alcançou seu ombro nu.
— Medusa...
A pele esverdeada se arrepiou e ela deu um passo para trás, virando de costas e entrando na água de novo. Sentou-se numa pedra submersa, até que a água fria cobrisse seu corpo até os ombros.
— Eu estive pensando, desde que chegou aqui...
— No quê? — Cecília deu um passo à frente.
— Na possibilidade de você ser algum tipo de lacaia, enviada para me matar.
Certo. Cecília precisou de um ou dois segundos para absorver aquilo.
— Acha que alguém mandaria uma mulher cega sem nenhuma habilidade ou força física para matar alguém como você?
— Como você mesma disse: você é imune à minha maldição. Sua vantagem seria não poder me ver.
— Medusa, você parece ser alguém bem inteligente, mas esta foi uma das coisas mais burras que eu já ouvi!
— Eu sei. — apenas afundou mais o corpo na água, até que seu pescoço estivesse molhado também. Ouviu Cecília dar passos lentos à borda poucos metros atrás de si e então, o barulho de algo caindo na água — Cecília?
Olhou para trás e não a viu, somente o tremular das águas e o silêncio.
— Cecília?! — olhava para todos os cantos, procurando por ela.
— Ah! — a mulher submergiu, balançando os cabelos molhados, assustando Medusa.
— Qual é o seu problema?!
— Te assustei? Pensou que eu tinha morrido né?
— Você é idiota? Tem muitas pedras na borda, pode se machucar.
Cecília se sentou incomodada com a venda encharcada caindo por seu rosto, então a removeu, jogando-a para onde achava ser o chão fora da água.
— Agora posso te ouvir corretamente. Do que falávamos? Oh, sim. Você acha que sou uma assassina de mulheres. — se virou para Medusa e começou a se aproximar, a mulher se afastou e Cecília pôde sentir pelo movimento da água. Suspirou e ergueu o rosto para o teto — Ah, Medusa... O que eu tenho que fazer para que você confie em mim?
•••
N/A: Boa noite gente!
Algumas satisfações à respeito desse cap: ele parece ter pouquinha coisa e quase nada de acréscimo pra história, mas é pq ele era diferente e teve algumas partes alteradas pra ter mais coerência, então perdão se ele é um pouco paradinho viu? Tô tentando encaixar as coisas certinho pro livro ter um desenrolar gostoso de acompanhar e não ficar muito longo e maçante, espero que vcs tenham paciência com essa pobre camponesa :')
A gente se vê na sexta, belê? 🖤
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Petrificar / [versão não revisada]
RomanceQuantos sentidos são necessários para poder amar alguém que não pode ser cobiçado? A besta profana do oeste grego encontrou sob a luz do luar aquela que não pode ser afetada por sua maldição. Tal criatura era a única que Medusa não poderia petrifica...