— Tome.
— O que é isso?! — sentiu algo frio, rígido e de textura áspera sendo entregue para si.
— Sua bengala. Para que você não derrube tudo ao seu redor.
— Isto não é muito... — mal conseguia mover o objeto, tirá-lo do chão era difícil.
— Foi o que consegui por enquanto. Amanhã podemos sair para achar um galho.
— E de onde você tirou isto? — não ouviu resposta, somente o tilintar de talheres e pires à mesa — Ei!
— Diga.
— Onde arranjou?
— Arranjou o que?
— Medusa!
— Que coisa! É daquele homem asqueroso que estava te machucando.
— Isto é um braço?! — soltou-o no chão.
— Uma perna seria muito difícil de arrancar. — Cecília prendia o riso, enquanto Medusa servia os pratos — E muito pesada, também. Está rindo?
— Não! Obrigada. — Medusa lhe serviu.
— Está bem quente. — caminhava até seu lugar.
— Não quer se sentar mais perto? Para podermos conversar.
Curiosa, Medusa se sentou ao lado de Cecília, e enquanto comia, esperava a mulher começar a contar sua história, mas nada.
— Não vai falar?
— Falar o quê? — bebeu um gole d'água e virou o rosto para Medusa.
— Sobre você!
— Oh, sim! Pergunte qualquer coisa. Responderei tudo o que quiser saber.
— Por que fugiu de casa?
— Eu não tenho uma casa. Fugi de um mausoléu.
Medusa descansou os talheres e prestou atenção.
— Eu vivia de favor para um homem. Trabalhava para ele em troca de abrigo, mas sua conduta comigo era... desumana. Me tratava como sua escrava, como um pedaço de lixo. — juntou suas mãos em seu colo — Então eu planejei minha partida, roubei algumas moedas e fugi. Este é o lugar perfeito, Aécio jamais teria coragem de botar os pés aqui.
— Aécio... Este é o nome, então. E o que ele te fez?
— Eu era explorada, Medusa. De inúmeras formas. — engoliu em seco — Trabalhava para seu comércio, enquanto ele apenas lucrava. Comia restos e dormia no chão frio de algum tipo de quarto avulso de sua casa. Às vezes, durante a noite, ele entrava lá...
— No seu quarto?
— Sim. Ele ficava parado em algum canto me observando e, quando saía, fazia grunhidos estranhos, gemidos. Foi a vida d'água, não aguentava mais.
— Mas ele já...
— Não, nunca chegou a me tocar ou me assediar fisicamente. Mas de resto... lá era o inferno.
— E você andava pela ilha, procurando abrigo?
— No início sim. Cheguei a conhecer uma mulher, que disse que me ajudaria, mas eu teria de pagar com meu corpo. Eu não serviria para mais nada além de ser uma prostituta, então recusei e passei a procurar pelo local mais inóspito possível.
— E ficou sabendo daqui.
— Sim. Os boatos são muitos à cerca da parte da ilha que foi tomada por um monstro. Demorei à ter coragem, mas eu vim.
— Não teve medo de morrer?
— Eu acabaria morrendo de qualquer forma, então...
— O que quer dizer?
— Uma mulher cega num lugar desconhecido e inabitado? Não sei quanto tempo sobreviveria sozinha. Eu estava contentada com meu destino.
— Entendo.
— Mas encontrei você. — sorriu — O famigerado monstro. Que de monstrengo não tem nada.
— Como?
— Você é uma pessoa boa, Medusa. Não sabe como agradeço por ter me abrigado, e me salvado mais de uma vez.
— Não sou uma... pessoa, garota.
— Mas é boa. Sei que não consegue ver isto, mas espero ser útil para te ajudar.
— Falando em ver — Medusa ignorou a frase, passara a odiar qualquer elogio sobre si —, conte-me sobre sua falta de visão.
— Eu já enxerguei um dia. — Cecília sorriu, triste.
— Foi um acidente?
— Não. Minha visão foi tirada de mim, assim como meus pais. — algumas lágrimas ameaçavam cair de seus olhos sem vida e Medusa começava a ficar desconfortável.
— Não precisa falar disto, por enquanto. Já sei um pouco considerável sobre você.
— E eu, sobre você. — deu mais um sorriso — E então, já sabe se poderei ser sua colega de...
— Caverna.
— Sua colega de caverna. Estou apta? — usou um tom solene.
— Pare de bobeira. — a mulher loira gargalhou — Como já havia dito, você pode ficar por um tempo. Mas não estou mais acostumada à viver com mais ninguém.
— Pode deixar que eu te acostumo de novo! Mas, agora, falando sério. Não quero ser um empecilho para você.
— Adoraria dizer que não será. Mas seríamos duas iludidas.
— Você me diverte, sabia? — diz Cecília após gargalhar — Isto será interessante. Ainda tenho muitas perguntas.
— É claro que tem. — levantou-se e foi até seu sofá, sendo seguida pela cena hilária de Cecília usando um braço petrificado para não esbarrar nas coisas.
— As cobras da sua cabeça te mordem? Elas têm veneno?
— Eu não disse que responderia à nada!
•••
N/A: E aqui está o segundo capítulo, gente! Obrigada por lerem e a gente se vê amanhã, então a programação voltará ao normal, ok?
Beijinhos e até amanhã 🖤
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Petrificar / [versão não revisada]
RomanceQuantos sentidos são necessários para poder amar alguém que não pode ser cobiçado? A besta profana do oeste grego encontrou sob a luz do luar aquela que não pode ser afetada por sua maldição. Tal criatura era a única que Medusa não poderia petrifica...