Todos morrem

150 10 0
                                    

Não faz nem 10 dias que parti desta casa, desde então, foram os dias mais vividos de minha vida. Só Deus sabe explicar o que aconteceu.
Se é que Deus existe.

Esta ventando muito, amarro o cavalo do lado de fora e pulo o portão, as janelas estão fechadas, mas da pra se ver pelas brechas o cômodo aceso, o carro de Mary que havia pego no dia em que fugi está aqui na garagem, todo batido, tirando o carro tudo está normal, o quartinho de ferramentas continua empoeirado e cheirando à Água Raz, a calha continua suja e a parede da cozinha continua com água infiltrada.
Acho melhor não entrar agora, meus documentos devem estar no segundo andar, no quarto de meus tios, a escada fica na sala, bem atrás do sofá e eu não posso ser visto, eles podem acabar chamando a policia que acabaria me mandando de volta pra o hospício. Irei dormir na rua, amanhã de manhã será bem mais fácil entrar, meus primos irão para escola, meu tio terá saído com eles e minha tia irá trabalhar mais tarde, porém ela estará fazendo os afazeres domésticos.

Voltei, montei no cavalo e fui até a esquina, lá havia uma casa com uma casinha pra lixo, não era como as lixeiras comuns, era como um quartinho de dois metros quadrados e que ficava no canto do muro da chácara, em cima havia um alçapão que era aberto pra se depositar o lixo. Assim que entrei na lixeira pude sentir o cheiro de cigarro e leite estragado, não sei quem é o dono desta chácara, ela nunca foi usada como moradia e sim como salão de festas, quase toda semana haviam festas aqui, as pessoas vinham em seus carros luxuosos e voltavam três dias depois. O cavalo deitou nos sacos pretos e eu fiz o mesmo, usando sua cocha como travesseiro, essa seria outra noite fria
...

- Ei você esta bem? Tenho que retirar o lixo.
Olhei com os olhos meio abertos, vi apenas uma mancha amarela em minha frente.
- Oi?
Ele estendeu a mão, foi então que pude reparar melhor aquele homem de cara cansada e uniforme amarelo.
- Eu tenho que retirar o lixo, o caminhão não pode esperar muito.
- Desculpe, vou tirar o cavalo daqui.
- Como você parou aqui com este cavalo?
Eu tinha que inventar algo rapidamente, não posso dizer que estou investigando a morte de minha família, então disse:
- Estou fazendo uma viagem pelo país a cavalo.
Ele riu e perguntou:
Isso não deixa sua bunda assada não?
Ri de volta, fazia tempo que não ouvia alguém caçoando assim.
E ele continuou dizendo:
- Meu filho quer ser um viajante como você, ele diz que quer conhecer o mundo, andar de avião. Ainda por cima diz que vai me levar junto. Imagina! Eu andando de avião, tremeria de medo só em subir em um desses.
Despedi-me do lixeiro e fui embora.

Assim que cheguei no portão de casa, soltei o cavalo e disse:
- Agora eu vou sozinho amigão.
Pulei o portão e caminhei até a porta da cozinha, ela ficava na área lateral da casa, assim que me aproximei eu ouvi algo vindo e encostei rapidamente na parede, vi minha tia saindo com uma trouxa de roupas e indo para trás da casa (onde havia uma área coberta com uma maquina de lavar, um tanque e um armário com produtos de limpeza), entrei rapidamente, subi as escadas, fui até o fim do corredor e entrei na suite de minha tia, assim que fechei a porta do quarto eu encostei minhas costas na porta e ... ninguém nunca terá idéia de quanto fiquei aliviado de ter fechado aquela porta, eu estava nervoso, minhas mãos tremiam assim como minhas pernas, mas ainda não tinha acabado, faltava muito pra que tudo acabasse. Subi na cama, olhei em cima do guarda-roupa e peguei uma caixa cinza, lá que minha tia guardava os documentos da família, peguei todos meus registros,os de meus pais e de minha irmã e guardei em minha mochila, coloquei a caixa de volta em seu lugar e de repetente ouvi alguém nas escadas, corri para o banheiro da suite, me escondi atrás da cortina da banheira e me agachei. Deu pra ver claramente minha tia entrando no banheiro e pegando as roupas sujas no cesto, assim que ela saiu eu esperei 5 segundos e saí.

Enquanto saía acabei me olhando no espelho, mal dava pra notar que tinha 16 anos, estava magro, meu rosto estava sujo, cheio de cravos no nariz e espinhas na testa, meu queixo e bochecha estavam ralados, meus olhos vermelhos e cheios de olheiras devido ao mal sono, além da barba. Minhas pernas também estavam raladas e haviam alguns rasgos em minha roupa.
Estava parecendo um mendigo.

Antes de sair eu abusei um pouco, abri a gaveta de meias de minha tia, lá estava sua carteira, peguei e roubei seu dinheiro.

De repente ouço uma rápida freada, vejo pela janela aquele caminhão de lixo, o lixeiro preensado entre o caminhão e o poste, o mesmo que havia visto pouco antes, o lixeiro estava na calçada, foi como se o motorista tivesse atropelado de propósito, me ajoelho e encosto meu rosto na janela, nunca havia chorado como antes, tinha vontade de gritar naquele momento mas não podia fazer barulho, mordia minha mão entre o indicador e o polegar enquanto minhas lagrimas escoavam pelo vidro.

Tenho certeza que ocorreu por minha culpa, por esta assombração que me persegue, estou condenado a uma vida solitária, pois quem interagir comigo morre, com certeza foi por isso que o pescador do lago e moço do armazém morreram, não duvidaria se por acaso o menino que encontrei na casa vermelha estivesse morto ou se acontecesse um massacre no hospício.

MaldiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora