Agnes Boterim

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Termino de ler e então escuto o som do estalar de dedos da enfermeira loira. Estava tão concentrado lendo que nem percebi o quanto ele me chamava, muito menos as pessoas saindo do local.

Olho em volta, o local está vazio, tendo somente a enfermeira loira que olha para mim e me diz:

- Acorda ai! Está na hora de tomar banho.

Levanto-me, pego o par de muletas e sigo com a enfermeira para o banheiro, a enfermeira abre a porta e assim que entro vejo dois loucos se preparando para o banho, me viro para ela e ...

- Não, você não terá o privilégio de tomar seu banho sozinho simplesmente porque tem vergonha.

Realmente me incomoda tomar banho junto com os outros loucos, não por serem loucos, sentiria o mesmo com qualquer outra pessoa. É por questão de privacidade, talvez seja algo bobo mas que mesmo assim me deixa desconfortável.

Mas não é só pelo desconforto que me virei para a enfermeira. Como vou tomar banho com o gesso em minha perna? Mesmo ela não estando totalmente engessada seria bom que eu pudesse cobrir o gesso.

Faço um gesto com a mão, mostrando o gesso em minha perna, a enfermeira entende o recado e diz:

- Vou pegar um saco para você cobrir esse gesso, mas quero que você volte a falar novamente, já te vi gritando e conversando com o mudo e você já falou comigo uma vez.

Faço um sinal meio que de "concordo", a enfermeira olha desaprovando e sai para buscar um saco.

Penso no que a enfermeira disse, no fato de Ernest não morrer quando converso com ele e nem ela quando falei também, já todas as outras pessoas com quem conversei morreram ao saírem de minha vista, ao perderem o contato comigo.

Não demora muito para que a enfermeira volte com um saco preto de lixo vazio, ela abre o saco e então ponho minha perna lá dentro, depois ela amarra a boca do saco com um barbante tornando impossível a entrada de água. Entro no banheiro e os outros loucos estão no canto, encolhidos e com frio, já haviam terminado de tomar banho.

Pego uma toalha e finjo que me seco para que ele visse o que deve fazer, então o louco começa a se secar e logo o outro também, tiro minha roupa e entro no chuveiro, me lavo e tomo cuidado para não molhar o gesso, quando saio para me secar os loucos já haviam saído, me troco e assim que abro a porta me deparo com a enfermeira loira segurando minha mochila, assim que dou o primeiro passo para o corredor um enfermeiro surge ao meu lado, me jogando no chão, empurro-o para escapar mas sinto uma agulha em meu pescoço, meu corpo amolece, minha visão embranquece rapidamente e finalmente desmaio.

BssTsss... (barulho de gravador)

- Paciente Samuel Gatie, diagnosticado como louco e culpado de vários assassinatos, no momento se encontra desacordado mas pode voltar a ter consciência a qualquer momento.


Escuto a voz da enfermeira loira falando e do gravador, estou amarrado com camisa de força em uma sala branca, com ódio por terem me enganado para me colocarem aqui. Há uma mesa de ferro em minha frente, levanto minha cabeça e vejo a loira com um gravador e minha mochila.

- Paciente Gatie acaba de acordar, darei inicio à terapia. - disse a loira.

- Quem é você? - Pergunto já não me importando se ela permanecerá viva ou não.

- Agnes Boterim, enfermeira e recém formada em psiquiatria, estou aqui para curá-lo. - Respondeu ela.

- Você não pode resolver meu problema - digo.

- Vejamos. - Respondeu enquanto abria minha mochila, retirou meu gravador, rebobinou e apertou para ouvir.

BssTsss.

Quita feira, 17 de novembro de 1997. Sou Samuel Gatie. Estou intrigado com a morte de minha irmã, Mary. Ela sumiu já faz duas semanas (...)

- Aqui você diz que sua irmã morreu, mas na verdade ela sumiu, o que te leva a pensar que ela tenha morrido?

- Tem um diário que ela mesma fez enquanto investigava a morte de meus pais, está na mochila. - Digo a ela.

A enfermeira olha na mochila, pega o diário e me diz:

- Até amanhã terei lido, agora ... eu examinei sua fixa e aqui diz que seus pais também sumiram quando você tinha quatro anos, sabe Samuel, ninguém nasce louco, ocorrem coisas em sua vida que o tornam louco, desastres, perdas.

- EU NÃO SOU LOUCO E EU NÃO MATEI NINGUÉM! - Grito, interrompendo o que dizia.

- Então quem matou?

- A Maldição.

- Maldições não existem.

Por um tempo o silêncio passa a predominar por toda a sala, sei que não adianta responder que existem sim, isso só me faria parecer ainda mais louco. Olho para a Agnes que pensa no que falar, seus olhos castanhos mel olham para o infinito, como se não estivessem lá, por um tempo ela começa a mexer os lábios sutilmente, falando com sigo mesma, como se rebobinasse uma lembrança e de repente ela volta ao normal, como se acabasse de acordar de um pesadelo e me diz:

- Então quem te amaldiçoou?

Olho para ela que agora não me olhava mais como louco mas como alguém com uma história importante a dizer e digo:

- Cornélia Alin.

A enfermeira olha com um olhar de surpresa, desliga o gravador e me diz:

- Você está realmente louco, a conversa acabou.

Ela se levanta, abre a porta e chama um enfermeiro, ele entra, me desamarra enquanto ela pega as coisas na mesa, percebo pelo tom de surpresa que ela conhece Cornélia e então grito antes que ela saísse pela porta "A MALDIÇÃO MATA TODOS COM QUEM EU FALO", a enfermeira olha para mim e rapidamente sai pela porta. Visto uma camisa normal, pego as muletas e então sou acompanhado pelo enfermeiro até meu quarto.

Deito em minha cama e começo a pensar no que houve, tudo o que penso é se ela realmente conhece Cornélia e se conhece, como ela pode me ajudar.

Fico horas pensando, preso no quarto, diferente dos outros louco que ficaram na sala de socialização e quando chegou a hora do almoço um enfermeiro abriu minha porta e me entregou um prato fundo com uma colher, o homem ficou comigo no quarto até que eu terminasse de comer e assim que terminei ele pegou o prato, retirou um bilhete de seu bolso e me disse:

- Ernest pediu que eu te entregasse.

Pego o bilhete que se encontrava dobrado, desdobro e leio. Nele dizia "Não conte à ninguém sobre Cornélia". 


Agradeço e dedico este capítulo para o usuário @jfarinha83 que comentou no ultimo capítulo me motivando a continuar o livro ao considerar a história "fixe" kkkkkk.

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