Imprevisível

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Leio o bilhete e me assusto, já havia acabado de contar para a enfermeira loira. O enfermeiro olha para mim e me diz:

- Não sei o porquê, ele apenas me pediu que eu lhe entregasse.

Fui escovar os dentes, junto com o enfermeiro, depois tive que voltar para o quarto onde fico trancado o resto do dia, deitado em minha cama, horas durmo um pouco, mas fico na maioria do tempo pensando no motivo para que eu não possa contar a ninguém sobre Cornélia. Chego à conclusão de que é porque é perigoso, se ela foi capaz de me amaldiçoar e tirar a voz de Ernest, ela ainda pode me impedir ou me matar se souber que vou atrás dela.

Na hora de jantar o mesmo acontece, um enfermeiro abre a porta, espera que eu coma, vamos escovar os dentes e volto ao quarto. Fico deitado na cama, apenas estalando os dedos e lembrando da parte de minha família que ainda vive, na ultima vez em que vi meu tio eu estava fugindo no carro da minha irmã, e ele ainda pensou que eu queria aprender a dirigir. Sempre que chegava do trabalho ele pendurava seu casaco e guardava seu guarda-chuva na porta, ele sempre foi um homem prevenido, saía de manhã e mesmo que o sol sorrisse para ele, desconfiado, ele pegava o seu guarda chuva e seu casaco, sempre que eu, minha irmã e meus primos reclamávamos para minha tia de ter que levar uma blusa quando saíssemos de casa, ele dizia que levar já deveria ser um costume e que felizmente o mundo é imprevisível. Tia Betânia adorava esta frase "felizmente o mundo é imprevisível", na verdade eles se adoram, estão sempre rindo juntos e devorando alguma coisa, ele sempre diz ser grato por ter conquistado minha tia, já ela sempre brinca dizendo que ele poderia emagrecer um pouco, mesmo assim eles se amam. Já meus primos, sei que se amam também mas claro que não da mesma forma, estão sempre brigando, discutindo por um ter pego as coisas do outro, brigando por espaço no sofá, controle da televisão, mas não posso dizer que não participava da brigas também, as discussões que tínhamos eram muitas, mas logo depois fazíamos as pazes.

Mais uma vez adormeço bom um bom tempo, até que acordo com o som de alguém abrindo minha fechadura, me sento na cama, não consigo saber se já é de manhã mas as luzes do corredor estão apagadas e estou com sono, logo concluo que é madrugada. A porta se abre e então a pessoa acende a luz, é Agnes ela está assustada, fecha a porta e se senta em minha cama de forma que ficássemos frente à frente, em seu olho cor de mel escorre uma lágrima, ela estende suas mãos para que eu a segure, baixa a cabeça um segundo e começa a chorar, de alguma forma passo a sentir sua tristeza e puxo seus braços para perto de mim, a loira então se aproxima e me abraça apertado. Ocorre então uma explosão de emoções que destrava tudo o que mantenho trancado dentro de mim, passo a chorar e lembrar de tudo o que tenho enfrentado até aqui, das pessoas que morreram por minha culpa, das cenas paranormais que vi e da saudade que tenho de casa, dos meus tios e primos, da escola e tudo mais.

Enquanto estamos abraçados Agnes diz:

- Eu acredito em você.

Fico em silêncio e então ela diz novamente:

- Você pode falar comigo, não vou morrer se fizer isso, acredite.

- Por que? - Pergunto.

- Conheci Cornélia e a sua mãe, Hepátia. - Respondeu. - ajudarei a te livrar da maldição. - Completou.

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