Então ela realmente havia saído da negação, Ella pensava, olhando a sua própria geladeira. Havia bacon nela. Meu Deus, há quanto tempo não comia bacon. Chegava até a sentir um arrepio. Mas havia bacon na geladeira, ela até o havia comprado, mas não era para ela. Isso a tirava do estado de negação.
Algo que também a fazia ter bastante certeza do seu lugar no mundo, o próprio e o de outras pessoas, era o maço de cigarro sobre o balcão da cozinha. Esse ela não havia comprado, mas também não era dela. No entanto, enquanto pensava sobre o bacon, puxou um cigarro para fora e o acendeu com o isqueiro ao lado, um daqueles de metal, recarregáveis, caros, bonitos e que também não lhe pertenciam.
Havia um bocado de coisas do Tom no seu apartamento. E, por mais que os dois tivessem um relacionamento de idas e vindas, porém muito, muito longo, por nove anos, as fronteiras sempre haviam sido respeitadas. Não agora. Agora eles estavam saindo juntos há sete meses, o que era muito, demais, assustador. Quer algo que metia ainda mais medo? Ela estava contando há quanto tempo eles saíam. Pior? Ela já até havia pensado que, em breve, completariam um ano e seria legal irem jantar naquele restaurante iraniano novo, para comemorar. Pior ainda? Ela nunca havia saído com alguém no mundo por tanto tempo. E o que mais a amedrontava era justamente não estar com medo. É que mal tinha feito trinta anos e namorava um cara com o dobro da sua idade, um tiozão incrivelmente gato cujos filhos não a aceitavam, sendo um dos filhos em questão um de seus melhores amigos, que tinha uma ex-mulher infernal, e ainda assim estava vendo passarinhos cantando do lado de fora da janela.
-Você ficou muito mulherzinha, Ella – disse para si mesma e tragou o cigarro.
-Hm? - Tom entrou na cozinha, robótico e ausente, como ele sempre ficava ao acordar. Ella nem se deu ao trabalho de responder e ficou vendo se conseguia antecipar seus passos. Ele pegaria um cigarro. Feito. Acenderia com a cabeça levemente inclinada para a direita. Ok. Abriria o armário e pegaria a maior caneca possível. Também ok. Encheria de café até a borda. Sim. Daria um gole, o foco não viria, daria um novo gole e então...
-Ei... - Ele olhou para ela e sorriu, aquele sorriso bonito que só ele e mais umas poucas pessoas no mundo possuíam. - Bom dia.
E seu maldito estômago se encheu de cócegas, como se ela fosse uma garotinha ridícula. Querendo se estapear, ela sorriu como um anjinho apaixonado. Depois tinha de checar se anjos se apaixonavam:
-Bom dia, grandão. E se arrume que eu preciso chutar sua bunda linda daqui – Ela acrescentou, antes que amolecesse de vez.
-Oi?
-Preciso ir à casa da Mia, vamos falar sobre a nossa agência de modelos.
-Isso é maneiro – Ele deu um gole no seu café. - Mas você sabe que ela vai ficar louca depois que o bebê nascer, né? É só, tipo, a pior hora para vocês abrirem um negócio. Vai sobrar tudo nas suas costas. Acredite em mim, tive uma porrada.
-De costas? De negócios? - Ella sorriu.
-De bebês - Ele sorriu de volta.
-Você teve quatro em idades diferentes, tirando os gêmeos, é claro. E a Malu não era adepta do faça você mesmo?
-Se com isso você quer dizer carregar o mundo nas costas, é isso aí. Se você quer dizer outra coisa, então não faço ideia do que você está falando – Ele deu um sorriso debochado, não do tipo que era para te fazer sentir burra, e sim do tipo que mostrava que ele estava se divertindo com alguma piada, fosse óbvia ou interna. Ella tinha muito a dizer sobre as piadas internas do Tom. Para resumir, bastava esclarecer que era muito difícil conviver com elas. Afinal, Tom ia fazer sessenta anos. Ele possuía duas Ellas de piadas internas. Às vezes era uma tarefa árdua penetrar naquele mundo.
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Quando a Vida Acontece - Vol 2
RomanceCrescer nunca foi fácil, mesmo que já se seja adulto. Loly está de volta, vencendo fantasmas um dia de cada vez. Ella, uma modelo internacional bem sucedida, está prestes a embarcar em uma mudança que pode transformar completamente a sua vida. Dylan...