Capítulo 11

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-Eu tenho um quarto para você, irmãzinha. Estou deixando vago amanhã. Cabe até uma cama queen size.
-Deus me livre!
Tommy e Lily estavam jantando na casa da mãe deles. Não havia um motivo muito forte para isso além do fato de Tommy querer fazer a contabilidade das suas coisas e ver o que caberia no apartamento novo e Lily querer qualquer coisa em lugar de ficar na sua casa. Para sua sorte, já havia conseguido um apartamento, dividindo com a baterista da sua banda. Teria de ficar no outro mais um mês para não rasgar e jogar fora o dinheiro do contrato, mas seu coração ficava aquecido por saber que a tortura duraria pouco.
-Você mediu dessa vez, Tommy? Suas coisas cabem, né? - Sua mãe perguntou.
-Só não cabe o piano – Tommy respondeu, orgulhoso por ter pegado uma fita métrica e se dignado a conferir se os móveis cabiam no apartamento onde iria morar. Era um estúdio microscópico, mas ao menos dava para colocar seu armário. E também não tinha que esconder seu vinho francês de um estudante coreano e de uma irlandesa maluca.
-Trinta anos para ter uma vida de gente grande. Estou tão orgulhosa de você - Lily falou.
-Eu tenho uma vida de gente grande.
-Ok.
-Opa! Vamos ser zen. Hora da refeição - Malu disse.
-Oi?
-Agora a moda é essa. Ser zen na hora da refeição.
Naquele momento, Luca apareceu na sala de jantar, bem arrumado, perfumado, o cabelo com tranças que o deixavam parecido com um escocês em um filme de época e que teriam feito a Allison se derramar em uma poça de baba se o visse.
-Vai sair? - Seu pai perguntou, quando ele se sentou à mesa e começou a se servir com uma certa pressa.
-Aham.
-Bem que você podia sair com a Allie – Sua mãe bateu palmas. - Ela é ótima, é linda e cozinha.
-E que mais? - Luca sorriu com um dos cantos da boca. - Sabe cuidar da casa e vai me dar bons filhos?
-Nossa, seus filhos com a Allie seriam maravilhosos – Sua mãe disse, sonhadora.
-Credo, a última vez que ela fez essa cara foi quando imaginou os filhos com covinhas da Lily e do Mateus – Tommy disse.
-Não estou preparada para ouvir piada, Tommy – Lily respondeu. - Mas você vai sair com a Allie, Ferrugem?
-Não - Ele pegou um tomate cereja e colocou na boca, e sua mãe lhe deu um tapa na mão por tocar na comida sem usar talheres.
-Vai sair com quem?
-Você não conhece.
-Mãe, o Ferrugem é um cachorro vira-lata.
-Não fala assim! - Sua mãe disse, horrorizada. - Ele tem muito... pedigree.
-Mas então, do que vocês estavam falando? - Luca terminou de encher o prato.
-Da minha mudança - Tommy explicou. - Você me ajuda, dindo? Juro que não vai passar a vergonha da outra vez, até porque minhas coisas já estão todas guardadas, mesmo. Nunca consegui tirar minhas roupas das caixas.
-Ajudo, claro. Amanhã?
-Isso.
-Para que avisar as pessoas com antecedência, né? - O dindo riu.
-É mais emocionante assim – Tommy explicou. - Quer ajudar, mamãe?
-Cruz credo! Primeiro que tenho trauma de mudança, segundo que amanhã vou encontrar a Ella.
Todos se viraram para a Malu, chocados.
-A girafona? Por que você vai se encontrar com ela?
-Para organizar o mesversário da India Rose.
-E desde quando você entende de mesversários? E por que ela chama você e não me deixa levar o Louis? - Tommy perguntou, ofendido. - Convida a minha mãe, de todas as pessoas do mundo, e não o convida?
-Entendo muito de mesversários. A Lily tinha mesversário, deve ter umas fotos perdidas por aí, mas era tudo super improvisado, basicamente a Kate invadindo a casa berrando, com bolos enormes e um saco de presentes. Teve uma vez que teve um palhaço. E a Ella me pediu para ajudar por causa da minha incrível experiência com crianças, mas mesversário é para pouca gente, por isso o Louis não foi convidado, Tommy. Não pega o celular, Tommy. Tommy, você está à mesa.
Tarde demais. Tommy já estava ao celular.
-Que história é essa de chamar a minha mãe pra uma festa e não me deixar levar o Louis? E daí, não sou importante na sua vida? Não sou importante na vida da Mia? E aquela merda que ela disse de que nós somos a família dela e tal? Meu pai vai? Meu pai e minha mãe vão e o Louis não? Estou marcando dois minutos para ele ser incluído nesse grupo de Whatsapp. Tchau, vadia.
No dia seguinte, exatamente à hora marcada, a motorista parou o carro da Malu em frente ao prédio onde Mia morava, bem na hora em que Ella dobrava a esquina. Ella tinha de reconhecer que a ex do seu namorado era bonita e incrivelmente elegante em uma jaqueta de couro longa que, se Ella não se enganava, era uma Dolce & Gabanna, calça jeans e botas pretas, os cabelos cacheados cortados à altura dos ombros, como os da Lily. À distância, parecia uma menina. Ella apertou o passo para encontrá-la antes que ela entrasse no prédio.
-Malu, oi! - Ella chamou. - Chegamos juntas.
-É, somos pontuais – Malu sorriu, prendendo os óculos escuros no topo da cabeça. Ella ficou ridiculamente sem saber como agir.
-Você precisa de ajuda por causa das... - E deixou a frase morrer, sem querer dizer a palavra “muletas”.
-Não precisa – Malu sorriu, disfarçando o desconforto. - Só abra o portão pra mim, por favor.
Mia as recebeu na maior alegria, com India Rose no colo. Ela estava acordada e, quem diria, não estava chorando.
-Bem-vinda, Malu! - Disse. - Ella, você já veio aqui vezes demais.
-Não sou mais bem-vinda?
-Não, já estou quase fazendo simpatia para você ir embora.
-Que gracinha, pegou o senso de humor do maridão.
-Mas que coisinha! Como ela já cresceu, Mia! - Malu falou, maravilhada, vendo o bebê. - Eu preciso me sentar com urgência pra pegar essa menina! Mia, me arruma uma cadeira pelo amor de Deus!
Mia riu e, assim que Malu estava acomodada no sofá, as muletas ao lado, passou-lhe India Rose, que ficou olhando para ela com ar abestalhado.
-E onde está o seu marido, aliás? - Ella perguntou.
-Trabalhando. Enquanto a gente não abre a nossa agência, alguém precisa pagar as contas – Mia cutucou Ella e mostrou Malu com a cabeça, que conversava com India Rose em sua língua natal, completamente esquecida que elas estavam ali. - Acho que algumas pessoas têm dom natural.
-Ou muita prática - Ella respondeu.
-Ou os dois – Malu disse, mostrando que não estava tão alheia assim. - Mia, a gente veio fazer esse mesversário acontecer. E isso é algo que eu não tenho prática nenhuma. Na época da Lily, eu basicamente estava em casa com ela e a Kate entrava berrando e me matava de susto. É para fazer o quê?
-Me ajude aqui – Ella se sentou ao lado dela, no sofá. - Tenho dois tipos de bolo, um de mapa da Índia e outro de bandeira da Índia.
-Credo, e como a gente corta fatias de um mapa?! - Malu perguntou, horrorizada.
-Eu acho a mesma coisa! - Ella falou, feliz. - Quer ver a lista de comida?
-Eu sempre quero ver a lista de comida – Ela respondeu, inesperadamente igual ao Tom.
-E podíamos colocar umas bandeiras na parede para formar o painel – disse Mia. - Mas estamos com medo de ficar bandeira demais.
-Talvez seja mesmo. Podia fazer um mural simples, Mia. Bolas com o nome dela e “um mês”. Só pra foto mesmo. Ainda é melhor que a Kate berrando.
Mia olhou para Ella, que acenou sua aprovação.
-Você então não fez mesversário para nenhum dos seus filhos, Malu? - Ella perguntou, interessada.
-Não. Só a Lily no início, porque arrumei uma madrinha descompensada para ela, e depois quando a Lily tinha três meses eu saí em turnê e a Lily precisou ficar. Aliás, saí em turnê com a madrinha.
O rosto da Mia desmaiou e Malu percebeu:
-Foi uma crise horrorosa, mas eu tinha que fazer isso. Acreditem ou não, uma das pessoas que me apoiou foi o Tom, que é machista até dizer chega.
-Foi? - Ella perguntou, tentando disfarçar o interesse.
-Foi! Ele trouxe a Lily para Londres e ficou com os quatro durante o resto da minha turnê. Naquela época eu não tinha o Luca, obviamente. E, mesmo que tivesse, ele não ficaria com o filho de outro, claro. Ainda mais sendo casado comigo, óbvio. Ah, vocês entenderam. Olha, o Tom tem mil defeitos e eu conheço cada um deles do avesso, mas ele é um puta pai. Logo que eu voltei a gente se separou, mas ele nunca foi um pai menos maravilhoso por causa disso. Porque tem uns que pelo amor de Deus, né?
-Ô, se tem – Mia concordou.
-Tem, sim – Ella falou, fascinada. - O meu não é um demônio como o da Mia, mas também não tem muito a favor dele.
-É? Você vê a sua família? De onde você é?
Sem saber como havia acontecido, Ella estava contando que vinha de Durhan, uma cidadezinha próxima à Escócia, e que quando chegou a Londres nenhuma pessoa no mundo entendia seu sotaque. Que sua família eram seu pai e seus dois irmãos e que da sua mãe ninguém nunca soube, ou melhor, seu pai soube durante um tempo, mas depois ela sumiu no mundo. Ela não costumava ir lá com frequência. Não é que se desse mal com a família. Eles simplesmente eram bizarros demais para desenvolver um relacionamento.
-Não estou tirando meu corpo fora, não! Sou bizarra também!
-Eu sei como é! Sou especialista em relacionamentos disfuncionais.
-Não diga isso, Malu – Mia riu. - Você juntou uma família enorme e incrível ao seu redor.
-Trauma. Fiz isso por puro trauma. Aliás, é uma turma de gente traumatizada.
-x-x-x-
Ella acertou a bola branca e ela passou muito, muito longe do seu alvo, que era a verde. Era a pior jogadora de sinuca do universo, o que era uma tremenda injustiça, pois adorava jogar. Tom deu uma risadinha irritante e sexy e, sem o mínimo esforço, encaçapou a bola que ela havia lutado tanto para acertar.
-É prática, Ella – Ele disse, quando viu o rosto dela decepcionado.
-Eu pratico tanto que devia escrever um livro sobre essa porcaria de jogo. Aposto que você já nasceu jogando isso, porque tudo para você é incrivelmente fácil - Ela falou, com mais bom humor que rancor.
-Ei, eu não sou assim – Ele disse, encaçapando a bola laranja.
-Não? Aposto que eu não vou mais conseguir jogar até o final da partida.
Tom, em posição para acertar a bola azul, ergueu os olhos para ela e deu um sorriso sem modéstia. Uma beleza de sorriso. Em seguida não conseguiu bater com a bola branca com força suficiente e ergueu o corpo, falando:
-Viu? Reclamou tanto, chegou a sua vez.
-Para quem diz que chorar não funciona – Ella riu.
Não adiantou de nada. Ela até conseguiu encaçapar a azul, mas porque Tom havia deixado metade do trabalho pronto, mas falhou miseravelmente com a bola seguinte e se afastou, se apoiando no taco.
-Eu e Malu conversamos sobre você, hoje.
-É? - Ele disse, distraído, envolvido em cálculos físicos complexos de força, aceleração e distância para encaçapar a bola rosa - Seja lá o que ela disse, foi tudo mentira.
-Ela falou sobre como você ficou com os quatro filhos para ela sair em turnê e que você é um puta pai.
-Ah, isso é verdade – Ele acertou a bola branca com o taco. Missão cumprida, passou para a seguinte.
-Você sempre quis ser pai?
Tom sorriu com o canto da boca:
-Se isso é um truque para me distrair, não vai funcionar.
-Não, grandão, é curiosidade genuína.
Tom acertou a bola branca. Bola na caçapa.
-Cara, eu devia ganhar dinheiro com isso – Ele sorriu para si mesmo, e então olhou para Ella: - Não, não queria ser pai. Não era contra ser pai, mas quando eu soube que tinha o Victor eu nunca tinha parado para pensar nisso. Eu era o maior moleque quando ele nasceu, quando soube dele, já estava com vinte e nove, mas ainda assim me sentia novo demais para essas coisas.
-E aí assumiu filho, mulher, tudo junto.
Tom deu de ombros e mirou a próxima bola, mas Ella sabia muito bem o que ele não tinha verbalizado: Ele era um cara apaixonado. Apaixonado pela mulher e pelo filho que ele nem conhecia.
-Sei que tenho filhos pra caralho, mas só os gêmeos foram planejados, e mesmo assim, mais ou menos. O que no fundo não significa nada, porque você vive pra eles e por eles de qualquer jeito. Se tem uma coisa que eu sei que fiz bem na vida, Ella, foi ser pai.
-Fez mesmo – Ela sorriu, encantada. - Bom, conheço o produto final, e são todos incríveis, mesmo quando implicam comigo. Mas são seres humanos incríveis, foi isso o que eu quis dizer.
E, antes que Ella se desse conta, a bola preta estava na caçapa.
-Ah, merda! Por que eu insisto em jogar sinuca com você?
-Pelo mesmo motivo que você insiste em fazer um monte de coisas comigo. Porque não resiste – Ele a abraçou por trás e mordeu seu ombro.
-Verdade, você me vence pelo cansaço.
-Também.
-E agora aposto que está pensando em um monte de metáforas horríveis e vulgares envolvendo tacos e caçapas - Ela se virou e colocou os braços ao redor do seu pescoço.
-Também - Ele riu.
Naquele momento, na casa da madrinha, Lily explicava para Loly o que estava fazendo ali. Tudo fazia parte de um plano para ficar em seu apartamento o mínimo possível, o que incluía filar refeições e dormir em sofás. “Inclusive, Loly, não pense que o seu sofá está livre de perigo”. Aquela semana já havia “aparecido” na casa da mãe, da baixista da sua banda, da baterista (com quem dividiria apartamento, aliás) e, agora, na madrinha.
-Mas, Lil, se você não quer entregar seu apartamento para não perder o dinheiro do aluguel, se não ficar lá, você não perde de qualquer maneira?
Lily ficou boquiaberta. Jamais havia pensado nisso.
-E não é que é mesmo? Ai, eu sou muito imbecil!
Naquele instante, os cachorros começaram a latir e abanar o rabo e todos os gatos foram para a porta, o que significava o momento tão aguardado da chegada do Oyekunle. Ele entrou com uma mulher negra com dreads até a cintura que fez a maior festa com os cães. Oyekunle saiu apresentando Amy para todos os presentes.
-Você gosta de animais? - A madrinha falou, quase sendo simpática. Ato contínuo, um gato tigrado se esfregou nas pernas da Amy e ela ficou dura como um pau. A madrinha olhou a cena com uma sobrancelha levantada, Oyekunle com todos os músculos tensos, e então a garota abriu a boca e falou:
-É que eu não gosto muito de gatos, sou uma pessoa de cachorros.
O padrinho soltou um “puta que pariu” baixinho, como se visse seu time perder um pênalti e a madrinha deu seu sorriso mais malévolo e falso:
-São vidas, sabe? Não se despreza uma vida. Mas respeito seu ponto de vista. Não entendo, mas respeito – Falou, com cara de que obviamente não respeitava nada.
-O que você quer beber, Amy? - Oyekunle falou rapidamente para mudar o foco.
-Se tiver água com gás...
-Eu vou pegar – O padrinho se apressou, todos se virando em mil para agradar a Amy e disfarçar o fato de que Kate estava sentada na ponta do sofá, braços e pernas cruzados e expressão ameaçadora.
Lily, em compensação, estava ocupada fazendo sinais com a cabeça para Oyekunle. Ele levantou as palmas das mãos, impotente e perdido, sem saber se ia ver o que a amiga queria ou se socorria a namorada. Por fim, vendo que seu pai chegava com a água com gás e se envolvia no assunto dos dois e perguntava coisas inofensivas como se ela era de Londres e de onde os dois se conheciam, ele deu alguns passos em direção à janela, onde Lily o encontrou.
-Como está o Mateus?
-Porra, Lily, não acredito! Eu estou com uma crise aqui!
-Mas você traz uma menina que não gosta de gatos pra rainha dos felinos conhecer!
-Eu tinha que trazer – E ele começou a andar discretamente em direção à Amy novamente, mas Lily o segurou pelo braço.
-Só me diz se ele está bem, vai.
-Ele está bem, Lil. Está bem. Depois converso contigo.
Lily ficou se perguntando o que significava que Mateus estava bem.
Bem de saúde?
Bem de uma forma geral?
De bem com a vida?
Bem com a Willow?
Antes não tivesse perguntado nada, porque terminou mais confusa do que começara.
-Vou servir o jantar. Você come, não é? - A madrinha disse, matando a todos, até a Lily, de constrangimento.
-Como, sim – Amy respondeu. Lily pensou que até poderia não a odiar se ela gostasse de gatos.
-É que não são todas as namoradas do Mike que... - E olhou rapidamente para a Loly – Ah, deixa.
-Mãe... - Jake e Oyekunle falaram, com graus diferentes de horror.
-Desculpa, Loly. Foi mal mesmo.
-Quem é Mike? - Amy perguntou, cada vez mais confusa.
-Sou eu – Oyekunle respondeu. - Não pergunte, só sorria e concorde.
Eles se sentaram à enorme e suntuosa mesa embaixo do imponente lustre de cristal. Vários pratos, vários talheres, guardanapos de pano. Quando a madrinha sabia que vinha uma namorada dos filhos pela primeira vez, ela mandava descer toda a prataria como se fosse um jantar no palácio de Buckingham. Todo aquele teatro para terminar enfiando os pratos caros na lava-louça enquanto xingava, para o coitado do padrinho, a pobre infeliz em questão. Diziam que a única nora que ela gostou e aprovou foi a Loly, e ainda assim porque viu nascer. E que o jantar mais dramático foi para a menina que comia do lixo, em que Kate disse que não sabia o que servir, mas que ela ficasse à vontade para dar uma olhada na sua lixeira. A família ficou um mês sem falar com ela direito depois disso.
O jantar terminou sendo bem menos desagradável do que dera a entender no início, com alguns picos de tensão com o interrogatório da madrinha, na linha:
-Mas o que você faria se visse um gato abandonado?
-Nada, eu acho.
-Nada?
-Eu não odeio gatos. Só acho que eles são mais apegados à casa que aos donos.
A madrinha levou a mão ao coração, teatral e, depois de um cutucão do padrinho, ele continuou:
-É convivência, sério. Antes de eu conviver com gatos, eu também achava isso – E então a madrinha levou a mão ao peito novamente. - Depois a gente aprende que eles são de boa, só têm um jeito diferente dos cachorros.
-É o assunto mais louco que já ouvi em um jantar – Lily murmurou.
-Não é? - Loly concordou, e então foi ela que levou uma cutucada, mas do Jake. Estava usando a comoção geral para comer menos do que o nutricionista havia sugerido, mas, pelo visto, não estava conseguindo passar despercebida.
No fim, a noite foi um fracasso para todos os envolvidos. Amy foi odiada, Loly comeu, Lily não conseguiu descobrir nada sobre o Mateus, e os padrinhos ficaram xingando enquanto enchiam a lava-louça. Lily foi para o quarto de hóspedes, onde dois gatos estavam sobre a cama, mas ela não era do tipo que tinha preferência. Trocou de roupa e, dali a pouco, a madrinha apareceu.
-Está tudo certo?
-Tudo, dinda. Obrigada pela cama.
-Imagina, se tudo na vida se resolvesse com uma cama. As coisas são bem mais simples do que a gente imagina, Lily. Claro, algumas são complicadas mesmo, como não gostar de gatos. Onde já se viu, não gostar de gatos? O meu filho, sangue do meu sangue, arrumar uma namorada que não gosta de gatos? Isso é rebeldia, não é? Ele foi um amor a adolescência inteira, aí resolveu virar rebelde depois de adulto.
-Acho que ele não faz de propósito, dinda.
-Mas a gente estava falando de que mesmo? Ah, sim, de você.
-De mim? - Lily perguntou, espantada.
-Sim, sobre você estar aqui. A gente ainda não conversou sobre você e o Mateus e essa história sem pé nem cabeça de ele estar no Mike.
-Foi horrível, dinda – Ela choramingou.
-Eu sei, meu amor. Eu sei. Por isso que dá vontade de te bater!
-Em mim?!
-Sim, em você! Você sempre surta quando as coisas não saem do seu jeito, Lily! Culpa minha e dos seus pais, que te mimamos pra cacete, mas já era hora de você crescer pra fora das nossas asas e ver que esse tipo de comportamento não é aceitável em uma adulta!
-Mas eu não fiz nada, dinda! - Lily disse, com lágrimas nos olhos. - Eu só comprei uma passagem para as ilhas gregas, aí ele ficou pau da vida porque foi com o dinheiro da mamãe, porque nada no mundo tem de ser do meu jeito, tudo tem de ser do jeito dele!
-Não, Lily, tudo tem de ser do jeito dos dois! Vocês são um casal, vocês têm de se comunicar, de combinar as coisas!
Ah, ok, Lily pensou, mas não teve coragem de dizer em voz alta. Como se todos não soubessem que o padrinho vivia para fazer as vontades da madrinha. Que o tio Eddie vivia em função da sua mãe.
-O time de futebol do seu padrinho, por exemplo. Não apoiei até ele se aposentar com a indecente idade de cinquenta anos?
-Você odiava, dinda.
-Mas apoiei. Fui a um jogo e tudo. Foi horrível? Foi. Foi humilhante? Também. Mas fui. Você não pode sair correndo sempre que as coisas não saem do jeito que você quer, Lily. Relacionamentos dão trabalho. E você tem tanto a seu favor. Você é tão guerreira. Você saiu da casa do seu pai, eu te dei o emprego mais merda da minha loja, você foi reclamando, mas foi, não faltou, não chegou atrasada, se formou com honras no melhor conservatório do Reino Unido e um dos melhores do mundo, trabalha, faz mestrado... Se em alguns aspectos você rala tanto, por que em outros você quer tudo de mão beijada?
-Eu não sei – Lily soluçou.
-Ah, merda, não queria que você ficasse triste – A madrinha a abraçou. - Mas alguém precisava falar alguma coisa e não dá para contar com aquela geleia da sua mãe. Procura o Mateus. Se comprometa com o que ele quer também.
-Eu não posso.
-Para. Claro que pode.
Claro que não podia. A madrinha não sabia sobre o Jamie

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