Capítulo 30

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Havia chegado a Milão naquela manhã e dado tantos passos a ponto de escavar seu caminho naquele quarto de hotel. E olha que não tinha muito tempo. Chegara há uma hora, tomara um banho, e dali a pouco sairia. Beberia um drinque se achasse prudente. Queria um dos mojitos fabulosos do Tommy. Tudo o que o Tommy fazia era incrível, o cara tinha um talento nato para noventa por cento do que se podia fazer no universo. Ela, não. Ela só nascera alta e magrela demais.

-Ella, eu vou até aí só para te dar um cascudo. Não que os mojitos do Tommy não sejam mesmo maravilhosos. Saudade. Será a primeira coisa que vou querer beber quando parar de amamentar – Mia disse, ao telefone.

Ella soltou o ar.

-Eu também quero me dar um cascudo. Sou boa nisso.

-Em se dar um cascudo?

-Não, tosca. Em modelar.

-Você é maravilhosa nisso. Tanto que o mundo da moda está chorando e várias fadinhas vão morrer esta noite. Como você está?

Ainda andando de um lado para o outro do quarto, Ella respondeu:

-Com raiva de você. E se a agência não der certo? E se eu entrar para o curso de administração e for mesmo burra e todos os alunos fizerem uma roda em torno de mim, apontarem e rirem?

-Você bate em todos eles.

-Verdade.

-Sobre a agência, é claro que vai dar certo.

Ella não costumava ser insegura daquele jeito, mas não era sempre que sua vida estava prestes a dar um giro de cento e oitenta graus. Ela sabia que não estaria começando do zero. Partiria de um nome (dois, contando com o da Mia) bem estabelecidos e reconhecidos no mercado, sabia que estavam sendo bem assessoradas e dinheiro para investir não era problema. Mas aí chegava o grande dia e o seu futuro estava em vias de se tornar real. Isso era enlouquecedor.

Além disso, amava mesmo o que fazia e era boa, muito boa. Sabia que estaria sempre naquela área, mas e o frio na barriga? E se tivesse cometido um erro de julgamento? E se tivesse se apressado?

-Eu preciso ir – Ella falou. - Preciso dar a entrevista pra Vogue, fazer as provas e começar toda a maratona. Você sabe como é.

-Sei – Mia falou, com saudades na voz. - Boa sorte, amiga. Vou estar pensando em você e acompanhando tudo o que acontece. Meu computador vai ter vinte abas abertas em todos os sites de moda que eu conheço.

-Obrigada, Mia – Ella sorriu, sentindo-se de alguma forma reconfortada por estar sendo vista no computador da amiga.

Ela terminou de se arrumar e aguardou que o transe chegasse. Ele a levaria até o final do dia, aumentando aos poucos até virar um clímax quando pisasse na passarela, fechando o desfile da Versace.

Havia uma época que ela era uma menina sem mãe, crescendo em uma casa de homens brutos, customizando suas roupas simples de acordo com o que via nas revistas de moda. Agora ela dava uma entrevista para a Vogue explicando o que havia motivado a sua aposentadoria, o que esperava do seu último desfile e o que podia adiantar sobre seu novo empreendimento.

-O que você diria para quem quer se tornar modelo?

-Ser modelo não é meta de vida. Não é algo que você treine, estude para ser, embora haja, sim, muito treino e estudo envolvido. Mas primeiro você nasce modelo. Eu tenho um metro e oitenta e dois e peso cinquenta e nove quilos, e me assusta pensar em uma menina linda mais baixa e que pese mais que eu se sentindo mal porque eu nasci assim e ela, não.

Foi tudo uma festa e ela ficou chocada ao ver o quão pouco ali era falso. Amou encontrar Donatella, o maquiador era o seu favorito no mundo, o cabelereiro era uma das criaturas mais hilárias do universo e sentia graus de afeto variados pelas meninas. E todos a felicitaram e disseram o quanto sentiriam a sua falta. Enquanto seu cabelo ficava de um tamanho impossível e era cheio de laquê, seu celular vibrou com uma mensagem do Tommy: "Arrasa, amiga! Tenho um orgulho danado de você". Ela sorriu e colocou o aparelho de volta na bancada em frente.

Quando a Vida Acontece - Vol 2Onde histórias criam vida. Descubra agora