Despedidas

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A viagem parecia mais longa do que era, muitas lembranças passavam em sua mente. Há muitos anos quando saiu dali, prometeu nunca mais voltar.

Quando desceu da charrete, olhou para a pequena vila, as coisas não estavam tão mudadas. Ainda era um lugar muito simples, mas era mais movimento e mais feliz do que lembrava.

Havia várias crianças brincando, o cheiro das frutas frescas nas barracas, tudo parecia como antes e então ele paralisou, olhou para o poço e apertou o barquinho em sua mão. Lembranças dele e de Sui jogando pedras ali, aquele era um dos locais prediletos de Sui, ele derramava suas lágrimas naquele poço. Sentiu uma pontada em seu peito e seu estomago revirar, a saudade ainda doía. Caminhou ate lá e sentiu o vento frio, a noite chegava. Sentou perto do poço e lembrou-se do dia que após uma terrível luta que teve, caminhava para o poço com alguns trocados no bolso e viu Sui sorrir, aquele sorriso era tão raro, seu irmãozinho sorria para uma menina que também sorria, ficou parado os observando, eles estavam felizes e por alguns segundos se sentiu assim tambem, quando chegou perto deles, a menina se assustou com sua aparência e correu, o sorriso de Sui também foi embora ao vê-lo todo machucado, ensanguentando.

Kagaho se levantou e procurou um lugar para dormir. Não conseguiu dormir naquela noite e assim que o sol começava a nascer, ele já caminhava para o local dos seus pesadelos.

O antigo prédio ainda estava abandonado, ele caminhou com cuidado ate o quarto onde ele Sui moravam. Pensou como duas crianças sobreviveram ali.

Flashback

O pequeno Sui tinha feito uma pequena fogueira com alguns gravetos, estava muito frio e a única coberta que tinha estava muito rasgada, sua tosse estava piorando. Um som chamou sua atenção, sabia quem era.

S: Você esta muito machucado?

K: Esta tudo bem. O outro ficou pior.

Sui com uma certa dificuldade se levantou para ajudar o irmão tirar a blusa que pingava sangue – seu braço parece esta quebrado.

K: Só um pouco dolorido. Agora coma esse pão.

Sui estava com muita fome – e você?

Kagaho tentava esconder a dor e a fome que sentia – eu já comi o meu pelo caminho. Agora coma e tenta descansar, sua tosse esta piorando.

O jovem Kagaho deitou e logo foi vencido pelo cansaço e dor.

Após algumas horas acordou com sede e quando olhou para o lado não viu Sui, preocupado se levantou.

FIM

As lembranças doíam e então saiu daquele cômodo e subiu as escadas. Suas pernas pareciam mais pesadas e tremiam, toda aquela emoção era intensa, dilacerante como nos seus pesadelos.

Quando chegou ao terraço o vento frio do amanhecer passava por ele, o sol estava bonito, estava nascendo e então...

Flashback

O jovem rapaz de olhos violetas controlava a imensa dor no seu corpo e chamava por Sui enquanto subia as escadas. Não gostava que ele ficasse sozinho no terraço.

Sui estava sentado no meio do terraço.

Kagaho pegou o fino coberto que segurava e colocou no irmão, perguntou docemente - O que faz aqui, Sui? Vamos entrar esta frio.

S: Eu não posso mais... não posso mais te ver assim. Eu estou doente, estou morrendo e isso dói.

K: Não fale isso. Você vai ficar bem. Eu vou ganhar a luta de amanha e comprar seus remédios e a dor vai passar.

S: Não é essa a dor que sinto. É a dor de te ver ferido desse jeito, ver que você também esta morrendo comigo.

K: Não fale isso. Ninguém aqui irá morrer. Já falei que não precisa se preocupar comigo. Eu que cuido de você – pegou a mão do irmão mais novo – agora vamos entrar.

Sui levantou-se e enquanto soltava a mão do irmão mais velho – eu sinto muito – e ele pulou.

FIM

Kagaho sentia todas as dolorosas emoções daquele dia, estava em pé no mesmo local que anos atrás ficou paralisado.

Olhava para aquela lembrança tão real como se pudesse tocá-la e então após Sui se jogar, ele olhou para a imagem dele, viu um menino magro, machucado... tao jovem. Não se lembrava que era tão jovem, seus olhos sempre estavam em Sui.

O ex espectro de Benu derramava lagrimas silenciosas enquanto olhava o sol nascendo – agora eu vejo, éramos apenas crianças.

Uma suave brisa passou por ele.

K: Eu sei que esta bem, que encontrou a paz que tanto precisava, meu irmão.

Kagaho andou ate o parapeito quebrado do terraço e tirou do seu bolso o pequeno barco de madeira e o colocou ali. Ali era o lugar de seus medos, de seus pesadelos, do seu passado. Respirou fundo e não olhou para trás.

Enquanto descia as escadas lembranças o invadiam...

Lembrou-se de um dia acordar no submundo após uma batalha com Asmita e ver um menino parecido com Sui, ele carregava um cachorrinho. Kagaho, então, se lembra das palavras de Asmita: você deve criar seu próprio caminho para a verdade. E qual é esse caminho? Pensava ser Alone. Kagaho começa a nutrir sua tão famosa devoção por Alone, vendo nele a figura de Sui. Uma chance de redenção.

Kagaho com um elegante sobretudo preto saia do prédio – eu estava errado.

Após a longa viagem Kagaho entrava na sua cabana isolada numa bela montanha. Tomou um banho e foi para o quarto, pegou suas coisas, dinheiro que havia deixado ali há muito tempo, olhou tudo ao seu redor – aqui não é mais meu lugar – e foi embora.


Kagaho - Segunda chanceOnde histórias criam vida. Descubra agora