Destruidos por dentro

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Sophia

Estou quase chegando na sala de espera quando vejo duas silhuetas dolorosamente familiares, respiro fundo e mais uma vez sinto meus olhos marejarem, como se sentisse minha presença minha mãe é a primeira a olhar para trás, ela se vire de repente o que atrai o olhar do meu, em um instante tem um vislumbre de toda a dor nos olhos deles, meus pais sempre foram bons em esconder suas dores de nós, desde pequena, nunca esconderam quando havia algo errado, mas deixavam as coisas tão mais suaves que duvido ter realmente me preocupado em alguma dessas situações e quando parecia que uma de nós iria tomar para si o problema, eles sempre foram os tipos de pais que diziam "não estresse essa sua linda cabecinha de criança, esse é o tipo de problemas que adultos resolvem em um estalar de dedos, tipo como mágica." e sorriam, mesmo quando claramente o problema não se resolveria assim tão rápido, eles tinham esse dom de fazer parecer que tudo era mais fácil quando sorriam, mas naquele momento, mesmo o sorriso, não consegui esconder a tristeza em seus olhos, ja fazia meses que não nos falavamos e embora muitas vezes durante esse tempo, a sensação que invade meu peito nesse momento é nova, uma dor tão dilacerante que me impedi de respirar, nem me dei conta do quanto eu senti falta deles, ate está ali olhando para aqueles olhos tentando esconder o inevitável de se descobrir, eles estão destruídos por dentro.
minha mãe é a primeira a falar, com a fala arrastada, como se tivesse medo da resposta ela balbucia meu nome, mas não respondo, não tenho forças para responder, simplesmente vou até eles o mais rápido possível e me jogo de mal jeito em seus braços cansados, não falamos nada pelo proximo minuto,  só ficamos ali, os três naquele abraço triplo, como se estivessemos no nosso próprio casulo de dor, angústia e  saudades.
Lagrimas caem de nossos rostos e não posso deixar de notar o alivio de meus pais por finalmente estar me abraçando novamente, como se estivessem andado com medo durante todo esse tempo de nunca mais me ter em seus braços.
Não sei quanto tempo nos abraçamos, enquanto choravamos em silêncio, mas em um momento nos afastamos e eu olho nos olhos de minha mãe e vejo um traço de alivio em seus olhos, como se um peso tivesse sido tirado de seus obros, mas ainda assim, consigo ver sua preocupação, mas uma vez, é ela que toma iniciativa, mas não diz nada, só balbucia meu nome.
Espero um tempo até que restante venha e quando ele vem é como se ela estivesse lutando contra o peso de uma vida para o dizer.
-Eu sinto muito, me desculpa minha filha, eu...
ela olha para meu pai que concorda com a cabeça em um sinal de apoio antes dela terminar
-Nós não tinhamos o direito de esconder de você a verdade, foi horrível, eu sei e não quero tentar justificar, mas, você foi nossa filha desde a primeira vez que olhei para você, eu amei você, desde que ouvi sua voz pela primeira vez e doía tanto saber de tudo que você tinha passado que eu não conseguia imaginar você passando por tanta dor, eu sei que devíamos ter confiado em você, mas era tão difícil imaginar como você iria reagir, eu tinha tanto medo de te perder.
vejo as lagrimas voltarem ao rosto dela e percebo o quanto meu também esta molhado pelas lágrimas, penso em falar mas meu pai interrompe antes mesmo de eu saber o que iria falar.
-O nosso plano era contar, decimos que queriamos que você entendesse o que estávamos te contando e entendesse que isso não mudava o tanto que você era amada e desejada por nós, combinamos de contar quando você fizesse 10 anos, falariamos duas semanas depois do seu aniversário e depois te levaríamos a um psicólogo para ajudar você a processar, mas esse  foi o período em que você começou a ter os episódios, então,  ficamos com medo e decidimos esperar por mais quatro anos, mas quando esses quatro anos passaram, as coisas tinha se agravado, você ja tinha duas tentativas de suicídio, ficamos com tanto medo de perder, de você não aguentar, eu sei que subestimamos você e que foi egoísta, mas não podiamos perder você.
Vejo meu pai lutando contra as lagrimas e só então percebo como foi para eles, eu era instável, estive boa parte da minha adolescência entre dois extremos, pela primeira penso em como seria se fosse o contrário e me assusto ao perceber que faria exatamente a mesma coisa que meus pais, afinal, já estava mais estável quando eu soube e ainda assim foi um inferno, porque no final, não importa como a notícia chegue até você,  uma coisa dessas tem o poder de destruir uma pessoa, principalmente, quando ela já esta morta por dentro, e sendo sincera comigo mesma, não posso deixar de admitir que meus pais não me subestimaram, eles me conheciam o suficiente para saber a verdade, eu estava morta para dentro e aquilo, iria me destruir completamente.
Respiro fundo antes de falar.
- Vocês não me subestimaram, doeu muito saber daquela forma de tudo, mas a seis anos atrás, isso me destruiria, vocês são meus pais e eu amo vocês, me desculpe por ter me afastado e não ter percebido que tudo que fizeram foi por mim, obrigada por ter me escolhido, eu não poderia ter sido escolhida por pais melhores, eu amo vocês.
falo em meio as lágrimas e logo nos abraçamos de novo, mas dessa vez, além das lágrimas, a um sorriso estampado nos três rostos, fico feliz por um instante, mas só dura isso porquê logo somos interrompidas por nossos celulares, pelo e uma mensagem pisca na tela.
"vem na sala de visitas, agora.
-Ricardo"
meu coração gela e pelos rostos de meus pais sei que receberam a mesma mensagem e sem dizer nada caminhamos ate a sala.

Querido psicólogoOnde histórias criam vida. Descubra agora