Pretérito

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Selena Gomez

Fechei os olhos lentamente enquanto encostava minha cabeça contra o vidro do carro.

Estava cansada.

No ambiente havia um som baixinho e rítmico proveniente do rádio. Sean havia deixado ele num tom quase nulo, mas se eu me concentrasse ainda era capaz de ouvi-lo.

Demi estava ao meu lado, centrada em seu próprio celular, provavelmente ainda trabalhando.

A verdade é que eu estava cansada demais pra me importar.

Fazia alguns dias que eu não dormia direito.

Não o fazia desde o presentinho que meu pai tinha deixado em meu apartamento.

Eu o odiava, e odiava que ele houvesse votado pra minha vida justamente quando as coisas pareciam começar a dar certo.

Queria gritar com ele.

Ter coragem de deixar minha insegurança de lado pra machucá-lo da mesma forma como ele havia feito comigo.

Eu não me orgulho disso.

Sei que o rancor é um péssimo sentimento para se cultivar, mas a verdade era que eu não era capaz de perdoá-lo.

Nem ele, nem ninguém.

Era o tipo de habilidade que nunca havia se desenvolvido em mim. Talvez eu só fosse aquele tipo de pessoa que exige demais dos outros mas não dá muito em troca.

Foi assim com Lauren, Cecile...

Sorri tristemente.

Apesar de ter "desculpado" Lauren, as coisas ainda eram estranhas entre nós duas. Como se algo tivesse quebrado, mas eu tinha ciência de que a culpa era minha.

Não era?

Eu não sabia até que ponto eu tomava a responsabilidade das pessoas que eu amava para mim.

Sim, porque apesar de tudo o que passamos, apesar de ainda estar magoada, eu amava Lauren. Não suportaria que nada de ruim acontecesse com ela.

A amava assim como um dia amei meu pai.

Amei.

Amava.

No pretérito.

Os passeios que dávamos de carro em meio às nossas cantorias desafinadas.

A forma como ele me colocava em seu colo quando jogava baralho. Me deixando escolher as cartas, mas sempre que minha ingenuidade não me permitia chutar o número certo, ele sorria e falava;

"Essa não dentinhos, escolhe outra"

Dentinhos.

Era assim que me chamava no auge dos meus seis anos, quando eu estava benguela pela formação da dentição.

Era fofo, e eu gostava.

Novamente, no pretérito.

Durante muito tempo me perguntei se a culpa de tudo o que tinha acontecido havia sido minha.

Se sua raiva e desprezo tinham fundamentos em mim.

Assumi que sim.

Nossa relação começou a se tornar complicada quando eu fiz dez, e aprendi o significado da palavra retórica. Lembro-me de pensar que meu pai, aos poucos, foi deixando de me amar.

Como consequência, eu odiava o fato de estar crescendo.

Odiei minha adolescência e odiei a mim mesma.

BreakAway (Semi)Onde histórias criam vida. Descubra agora