Cap.13 - Seis dias para o 'Grande Evento' (Parte III)

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E Matheo segue com seu relato de infância. Herbert era a primeira pessoa com quem ele se abria sobre seu triste passado...

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Pro meu azar... Minhas previsões não falharam. Em um par de horas tinha três guardas batendo na porta de casa, pra encher minha mãe de perguntas. Pelo grito que ela deu, me mandando aparecer ali na frente dela, eu percebi que, dessa vez, eu tava realmente ferrado.

Soltou uma boa risada, acompanhado de Herbert.

— Sem escapatória dessa vez, "voei" até a porta... E te conto que foi a única vez na vida que eu tive medo de verdade. Quando vi aqueles guardas fiquei apavorado. Lembro como se fosse hoje da cara deles, me encarando. Achei que fossem me levar naquele instante... E fiz uma cara de choro, testemunhada por poucos nessa vida.

Nessa hora, os dois riam sem parar.

Herbert podia fazer ideia da cara de Matheo e tinha a real noção do quão rara fora tal cena.

— Quando dei por mim, tava sendo arrastado pela minha mãe direto pro Castelo. Os três guardas a cavalo, acompanhavam a gente bem devagar. Eu tentava explicar pra ela o que tinha acontecido, mas ela não me dava atenção. Até que no meio do caminho eu simplesmente finquei o pé no chão, que nada me tirava dali... Ela tentava me puxar, xingava, mandava em mim, mas eu disse que só ia com a condição de que ela escutasse a minha versão...

"Aí... Não teve jeito. Eu comecei a falar... Dona Jimena prestou atenção em cada palavra e no final me soltou seu olhar inconfundível de reprovação. Dava pra ver a raiva nos olhos dela. E não disse nada. Só continuou a me arrastar pelo meio da rua."

"Quando a gente chegou no Castelo, o guarda abriu o portão pra que a gente pudesse passar. Te digo que fiquei emocionado de entrar naquele lugar pela primeira vez... Já tinha tentado escalar o muro algumas vezes pra espiar dentro, mas nunca consegui. Ainda era muito pequeno... — e ergue a sobrancelha com um sorriso orgulhoso, como se quisesse dizer que hoje não teria a menor dificuldade em tal feito, o que não deixava de ser uma verdade incontestável."

Herbert olhou para Matheo, soltando o mesmo riso irônico, plenamente convicto de que era capaz daquilo e de muitas outras façanhas ainda mais desafiadoras, como ele mesmo pôde presenciar inúmeras vezes.

— Quando coloquei o pé dentro do prédio e dei de cara com aquele saguão, confesso que meu queixo caiu. Tudo parecia ainda muito maior que hoje...

"Um dos guardas que tava com a gente pediu pro serviçal chamar o Rei, a Rainha e a velha escandalosa. Mais uns cinco minutos e todos tavam ali..."

"A velha me encarava com ares de vingança e eu a provocava. Quando via que ninguém tava olhando, mostrava a língua pra ela, fazia caretas. Não deixava passar uma oportunidade de perturbá-la. Ela desviava o olhar com aquela cara de 'Espere pra ver... A sua hora vai chegar'... Nunca me esqueci da cara da velha."

E ria, ciente do quanto tinha aprontado.

— Fernan e Isaboh eram jovens ainda. Eu me lembro vagamente dele, mas Isaboh... Eu lembro perfeitamente. Era muito bonita... — e calou-se, como se tivesse tido uma boa recordação. — Laila lembra muito a mãe, mas consegue ser ainda mais linda... — e fez uma longa pausa, dessa vez desviando os olhos e mexendo-se desconfortavelmente no banco.

Impossível para Herbert não perceber que tinha algo naquele olhar quando falava de Laila. Não sabia exatamente o que era, pois nunca tinha Matheo visto reagir daquela forma. Mas que tinha algo, tinha.

— Eu fiquei lá, no Saguão, olhando pra todos os cantos com cara de idiota, que nem me dei conta quando eles convocaram minha mãe e a babá pra saírem dali. Só percebi, quando vi os quatro caminhando, já distantes de mim. Eu fui deixado pra trás com três guardas e dois serviçais, pra me fazerem 'companhia'. — e conclui com um sorriso maroto, delatando sua vocação para contrariar regras desde pequeno...

"Depois de uns dez minutos, a velha volta sozinha e fica ali, em silêncio, parada feito um poste, meio afastada de mim. Novamente, mais provocações e caretas. Ela olhava pra um lado e outro fingindo que não era com ela..."

"Outros cinco minutos e veio minha mãe, junto com o Rei e a Rainha. Quando eles chegaram perto pude perceber o desespero de dona Jimena só pelo olhar. Ela segurou a minha mão e se despediu deles. O casal retribuiu o cumprimento, mas também não sorria. A velha só acompanhou a gente com o olhar, sem dizer uma palavra. Nem se despediu da minha mãe por educação. Fernan pediu ao guarda que arrumasse uma carruagem pra levar a gente de volta pra casa..."

"Seguimos por todo o caminho num silêncio absoluto. Minha mãe. com a pior cara do mundo, ainda tinha lágrimas no canto dos olhos. Mas evitava chorar na minha frente. Como era a única pessoa que eu tinha, ela tentava se mostrar firme o tempo todo, já que fazia o papel de pai e mãe pra mim. Fui perceber isso só tempos depois."

E, mais uma vez, carregava o semblante pesado pela lembrança da vida difícil que teve na infância.

— O cocheiro nos deixou em casa, já era noite escura. Entramos em silêncio e, assim ele se afastou, minha mãe começou a despejar uma porrada de desaforos em cima de mim. Nunca tinha feito aquilo comigo. Só me lembro dela me mandando arrumar as coisas, que a gente ia embora de LaViera no dia seguinte. Fiquei transtornado com o que tava acontecendo. E não conseguia entender a razão..."

"Ela tava tão brava que, quando eu tentava perguntar o que tinha acontecido, sendo que não fiz nada de mais, ela começava a gritar, me xingando, ofendendo, ameaçando, o que me deixava ainda mais apavorado. Ela era a minha mãe, caramba! Não queria brigar daquele jeito."

Outra pausa para respirar, transfigurado pela raiva que ainda corria nas veias.

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Essa história não tem cara de acabar bem... Aliás, como tudo por aqui... E vamos conhecer onde isso vai dar...

(COMPLETO) Laila Dómini - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora