Cap.13 - Seis dias para o 'Grande Evento' (Parte IV)

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E agora, o pior momento pra ele. De onde vem esse ódio todo. E a vontade de querer fazer justiça. Mesmo que seja do jeito dele...

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— Fomos embora na manhã seguinte, levando só uma malas e um tanto de tralha, rumo à casa de uma tia em Águas Cálidas, deixando praticamente tudo pra trás...

"No terceiro dia da viagem, um desses bandos de invasores cruzou o nosso caminho. Eles tomaram o pouco de coisas que carregávamos... Mas... não foi só isso..."

Matheo fez um silêncio angustiante, desviando os olhos para a mesa, como se sentisse vergonha.

— Eles bateram em mim. Ameaçaram me levar com eles... Minha mãe entrou em desespero e, pra me defender, interferiu, pedindo que me poupassem. Eles concordaram, mas, em troca, ela acabou sendo... — e nem conseguiu concluir a frase.

Hebert perdeu a cor com a confissão. Não havia o que dizer para amenizar sua dor. Tudo o que pode fazer foi respeitar seu silêncio.

— Eles a machucaram muito... Por mais forte que eu fosse, era pequeno ainda. Havia uns dez, doze homens... Três deles me seguravam... Não pude fazer nada... — e contorceu o rosto, reprimindo uma angústia incontrolável. Sem dúvida alguma, era a pior feição de Matheo que Herbert já tinha visto.

Ele permaneceu quieto por mais alguns instantes. Parecia tentar recuperar o controle. Herbert aguardou pacientemente, respeitando o momento dele.

— Depois que chegamos à casa da minha tia, foram dias até eu conseguir arrancar da minha mãe o que tinha se passado na conversa com o Rei e a Rainha...

— E o que foi, afinal de contas???! — Herbert não continha a ansiedade.

— A babá disse que eu raptei a princesa e saí correndo com ela pela margem do Rio, durante o passeio que elas faziam naquele dia. E que eu era o "filho do demônio", já que conhecia as histórias do que aprontava com as demais crianças por aí... E ela, a "babá heroína", conseguiu me alcançar e salvar a princesa das minhas mãos.

— Não acredito...

— Pois é... A partir daquele dia, eu tinha me tornado uma ameaça à Laila e minha mãe, por essa razão, foi convidada a ir embora de LaViera e me levar pra bem longe dessa "princesinha mimada".

E calou-se mais uma vez com o olhar mais assustador que existia, deixando Herbert outra vez sem reação.

— Pelo que minha mãe disse, essa foi a condição pra que não me prendessem numa masmorra pelo resto da vida, como um animal sangrento e descontrolado. — e fungava como um bicho hostil, pelo ódio que ainda sentia da expulsão injusta, da humilhação e do horror que a situação os fez passar. — Desde aí, seguimos em frente...

— ... E você arrastou esse ódio até hoje, quando tenta se vingar de Laila e dos pais, mesmo depois de tanto tempo. — deduziu Herbert, em tom de reprovação pela provável intenção de Matheo.

— Eu não estou me vingando de ninguém... — no tom mais displicente que existia.

— Então, por que a trata daquela maneira?

— Porque ela é uma princesa mimada e arrogante, como sempre foi, e eu não aceito a forma como se comporta comigo. Além disso, ela tem uma dívida e reluta em pagar...

— Mas que dívida, Matheo???!

— A injustiça que eu e minha mãe sofremos!! A culpa é dela por nos escorraçarem daqui!! Pelo que aconteceu com a minha mãe!! Por tudo que eu passei... — outra vez, parando para respirar de tanta raiva. — Além disso, eu salvei a vida dela não só uma, mas duas vezes!!! — o timbre de voz orgulhoso e um soco na mesa que, por sorte, não a quebrou.

Herbert encarava o amigo, desacreditado da visão distorcida dos fatos, que o fazia depositar toda a culpa pela desgraça de sua família em Laila.

— Mas o que pediu pra ela em troca dessa "dívida"?

— Ela vai passar a primeira noite comigo.

— O quê??! — Herbert esbugalha os olhos.

Assim como a própria, ele também não acreditava no que escutava.

— Ela vai ficar comigo.

— Você tá maluco, Matheo??? Meu Deus!!! Onde já se viu pedir um absurdo desses pra uma donzela como ela??!

— O que peço não é nada, perto do que ela me deve!!! — e brada, em tom de revolta. — Por culpa dela eu fui expulso com minha mãe daqui!!! Por culpa dela aqueles desgraçados machucaram a gente!! Além disso, ela ainda me deve a vida dela!! Duas vezes!! Razões mais que suficientes pra atender o meu pedido sem reclamar...

O tom soberbo, desta vez, chama a atenção de dona Gertrudes, que sai da cozinha para ver o que acontecia na Taberna.

Herbert, sem graça, abre um sorriso amarelo para ela.

Matheo, em silêncio, olha para o lado, evitando-a.

— Querem algo mais pra comer? — Gertrudes "aproveita a viagem".

— Não, senhora. Estamos bem... — Herbert ainda tenta dar ares de normalidade à situação.

Os dois a acompanharam com os olhos, até que ela fechasse a porta.

— Matheo, eu não acredito que culpe Laila pelo que aconteceu a você e sua mãe. Meu Deus! Ela é a única que não tem nada a ver com isso. Era uma criança ainda...

— Se não fosse por ela, nada daquilo teria acontecido. — impetuoso e amplamente convicto de que sua imposição era justa e perfeitamente aceitável.

— Matheo... De verdade... eu não posso concordar se vingue de Laila, dessa forma, por algo que aconteceu há tanto tempo. — e respira fundo — Veja você hoje... Pode ter tudo que quiser. Não existe nada nem ninguém que faça frente a você nesse mundo, de que se tenha notícia. Por que fazer Laila pagar por uma decisão dos pais que ela não deve ter o menor conhecimento? Por favor, reconsidere esse pedido absurdo... Pelo nosso bem e, principalmente, por ela.

— Ela não sabe dessa história do passado. Quando fiz o pedido, disse que me devia isso por ter salvo a vida dela e dos outros infelizes, naquela praia.

— Mas você já salvou milhares de vidas!! E nunca fez ninguém pagar com algo tão valioso, quanto o que cobra dela!!! — Herbert tentava de todas as formas trazer alguma lucidez ao amigo desequilibrado. — Sabe que ela não tem a menor chance contra você... — balbucia quase para si mesmo, amparando a testa, o cotovelo apoiado sobre a mesa.

— Não é pela vida dela que eu faço isso, Herbert!!! — novamente, gesticulando, exacerbado. — Isso foi o que eu disse pra ela! Mas a dívida, na verdade, é por ela ter desgraçado a minha vida!! — aponta com raiva para si, respirando fundo para tentar controlar os monstros que teimavam em emergir do âmago. — E só você sabe disso! — desvia o dedo para Herbert, já deixando claro que se essa história fosse adiante só poderia ter sido por culpa dele.

Herbert retomou a silêncio. Não conseguia pensar em mais nada, tamanha indignação com a atitude compulsiva e egoísta do amigo.

Matheo, já mais recomposto, resolveu pôr um fim a conversa.

— Eu te contei essa história pra que não tenha mais nada de mim que não saiba. Não estou abrindo discussão aqui, tampouco pedindo sua opinião. A decisão tá tomada e ela deve estar preparada pra pagar pela dívida. Por ela e pela família. Quando atender o meu pedido, não me deverá mais nada.

— E vai cobrar algo dos pais dela também? — Herbert, chocado, ainda tenta arrancar se o plano de vingança envolvia mais alguém.

— Não! —curto e grosso.

— E o incidente com o Rei, na Sala de Despachos? Teve alguma coisa com isso?

Um grande silêncio.

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Eu sei... eu sei... Vocês devem estar querendo me matar a essa altura, com a sem-noçãozisse de Matheo... Mas fazer o quê?! Esse homem é assim mesmo... Age, depois pensa... machuca, depois se arrepende... Isso é Matheo...

Ainda bem que temos Herbert para tentar deixar a situação um pouco menos pior. 

(COMPLETO) Laila Dómini - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora