Eu não sei usar sapatos - Linda

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Augusto estava me olhando com os olhos de quem busca palavras em um idioma que não compreende.

- Eu fiz alguns ajustes. – Foi tudo que eu consegui dizer. O vestido me apertava nos braços, busto e barriga. Eu sentia como se meus pulmões precisassem de permissão para puxar o ar. O tecido coçava e eu não conseguia caminhar em linha reta, sem parecer que havia pisado em frutas podres.
- Você está vestindo só a metade do vestido. – Ele concluiu, ainda me olhando como se eu fosse um fantasma.
- Eu não estava conseguindo vesti-lo. – Eu digo, já cruzando meus braços em frente ao corpo. Eu gostei dos ajustes! Afinal, eu tomei o cuidado para deixar escondido todas as partes que soariam impróprias para um casamento.
- Por que não me pediu ajuda para vestir? – Eu comecei a rir. Eu sei que Augusto está empenhado em me tornar a dama que o mar precisa, mas até agora tudo que ele conseguiu foi me divertir.
- E você sabe usar um vestido Augs? – Eu pergunto, usando seu apelido carinhoso. Ele troca seu olhar para um cansaço forçado, o que me arranca mais risos.
- Eu sei tirar vestidos. Colocá-los é só o processo inverso. – Eu paro de sorrir. Nós temos a mesma idade, Augs é poucos meses mais velho do que eu, mas ele já viveu bem mais. Já teve amantes, já viajou o mundo, já navegou e conheceu os pais... Eu só conheço essas arvores que me rodeiam. – Vem, deixa eu dar o acabamento necessário para esse vestido. – Ele fala, me despertando dos meus pensamentos. – Hoje o ideal é você ir com o cabelo solto, para mostrar que você é solteira. Assim os homens interessados saberão que você não é comprometida.
- E se eu quiser mulheres? – Eu pergunto em tom provocativo, enquanto ele apara alguns fios que estão soltos das malhas que eu fatiei com minhas facas.
- Se você quiser mulheres, elas também saberão. – Ele fala, educadamente. Como sempre! A educação de Augusto é irritante! Ele parece ter sido educado por um padre.
- Augs, e se eles não gostarem de mim? – Eu pergunto. A minha autoconfiança é uma mascara pesada.
- Se eles não gostarem de você, eles estarão cometendo o pior erro de suas vidas. – Ele me fala, olhando em meus olhos. Em seguida parece ter lembrado de algo, pega sua bolsa de couro, está sempre com ela, e do interior ele tira um objeto envolto em um lenço. – Seu pai comprou essa joia para a sua mãe, mas nunca teve a oportunidade de entrega-la. – Augusto me mostra, uma preciosa rosa em ouro envelhecido. É uma espécie de tiara. Uma das peças mais lindas que eu já vi. Meu pai fala sobre ela nos diários, achei que tivesse se perdido na guerra. Eu desato minhas tranças, soltando os cabelos negros ao longo do meu corpo. Augusto pega a joia e a arruma em meio a minha cachoeira de fios.
- Você estava com isso na bolsa esse tempo todo? – Eu pergunto, ele sorri.
- Era meu plano de fuga. Caso tudo desse errado, eu vendia e sumia no mundo. – Nós dois rimos. Eu sei que esse é o tipo de coisa que Augusto nunca faria, afinal, ele é um historiador e antes disso, ele é muito romântico, para vender algo que fez parte de uma das historias de amor mais lindas já contadas pelos bardos. – Você está magnifica! – Ele diz e eu ruborizo. Eu me sinto bonita! Ele me olha da cabeça aos pés e seu sorriso some. Eu aperto os lábios, já sei o que está por vir. – Linda... Onde estão os seus sapatos? – Ele pergunta, eu explodo em gargalhadas, exibo meus pés nus e aponto para cima da arvore. Ele me encara incrédulo.
- Eu uso os sapatos se você conseguir pegá-los. – Eu provoco, ele me xinga. – Vejam só, o cavalheirismo de Augusto dando lugar a palavras chulas. Acho que estamos aprendendo alguma coisa afinal. – Eu ironizo.
- Linda, porque seus sapatos estão no alto daquela arvore? – Ele questiona.
- Eu não sei usar sapatos. – Eu do de ombros. Ele me encara. – Inclusive, sugiro que você também vá sem os seus.
- E eu sugiro que você vá pegá-los. – Ele diz, no seu tom mais ousado, eu cerro meus olhos.
- Me obrigue.

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