Chegamos no vilarejo. Diferente do que eu pensei que aconteceria, ninguém parece reparar em nós, alguns desocupados observam as roupas de Linda com certa curiosidade, mas não se demoram no olhar. Parecem estar todos ocupados com suas funções. Boa parte da elite da cidade já está no salão principal de eventos. Na última década, Torunta se tornou uma cidade de negócios piratas. Funciona a base do trafego dos navios, mercadores e tabernas.
Um dos importantes mercadores está noivando sua filha com outra casa mercante, o que fortalece as alianças locais.Devolvemos o vestido de noiva que Linda havia roubado por capricho e anunciamos que teríamos uma grande noticia para revelar no dia do casório. Os chefes das casas mercantes e os representantes piratas esperam alguma decisão política vindo de Tavaras, que assumiu como principal burocrática da cidade. Porém, não esperam por Linda.
O palácio está fechado há mais de 10 anos. Já tentaram negociar a estrutura, mas nenhuma casa se acha digna o suficiente para morar onde foi a casa do Duque. Hoje o castelo serve apenas como muralha, caso haja um novo ataque. Os muros foram reforçados e uma artilharia pesada foi investida nos portões. Torunta parece esperar pela guerra todos os dias.
Antes de vir para cá eu estudei a cidade, as famílias, o comercio, a politica, tudo. Eu queria entender como a cidade passou de um refugio, para uma cidade de rota. Aqui de dentro eu consigo ver que na verdade, Torunta segue sendo Torunta. Porém, pertencendo a rota, seu valor como ilha particular cai e não passa a pertencer a cobiça dos reis. Provavelmente quem teve essa ideia foi Tavaras, é engenhoso.
Linda caminha com certo cuidado. Seus pés já estão acostumados a estar sem sapatos e ela nem sequer sente a diferença do solo. Já os meus estão dificultando o meu caminhar. Eu consigo sentir o nervosismo de Linda. Eu vejo ela apertar as mãos e sua respiração irregular.
- Como eu devo me apresentar? – Ela quebra o silencio. Linda já me fez essa pergunta umas mil vezes.
- Não é você quem vai se apresentar Linda! Tavaras fará isso. Você apenas precisa dançar e sorrir. – Eu digo, tentando tranquilizá-la. Ela confirma. Seus olhos arregalados buscando os meus. Eu sorrio para ela, ela retribui, segura minha mão e estufa o peito. Passamos a última semana ensaiando esse momento. Tavaras a explicou como funciona a politica, eu a ensinei a dançar e Berenice ficou com a parte das boas maneiras. Eu tenho a impressão de que a metade dos ensinamentos Linda já esqueceu.Chegamos ao salão de festas. O casamento está acontecendo dentro das grandes portas de madeira. Não fomos convidados, até porque, eu sou um forasteiro e Linda um fantasma. Só vamos aparecer na hora do banquete.
- Eu quero ver a noiva! – Linda diz. Eu começo a negar, mas ela aponta uma janela no telhado.
- Ta maluca? Só você sabe escalar vigas. – Ela cerra os olhos.
- Fique ai então, eu subo sozinha. – Ela diz já tomando rumo da lateral do salão. Eu começo a me chacoalhar. Que diabos essa garota! Dois minutos depois eu a sigo. Linda parece um macaco! Consegue escalar qualquer coisa, com uma destreza surpreendente. Eu tento a seguir temendo pela minha vida e por meus pés que não encontrem nenhuma farpa de madeira. – Não olhe para baixo! – Ela diz, eu faço sinal para não falar alto e aponto para os homens na porta. Quando faço isso tomo noções da altura em que estamos. Eu sinto o desjejum revirar meu estomago. Ela faz sinais para a janela. Estamos perto. Eu a sigo e nos acomodamos lado a lado. Estou mais confortável do que gostaria de admitir.A noiva está divina! O vestido parece ter sido feito por fadas. Berenice incrementou a costura, já que Tavaras prometera "um vestido ainda mais bonito" e realmente, estava deslumbrante. O noivo parecia um homem de negócios, um tanto mais velho. O casamento certamente não era por amor, já que quem mais parecia estar contente eram os pais e não o casal. Observei Linda ao meu lado, seus olhos corriam de um canto ao outro reparando nos detalhes.
- É a primeira vez que você vê um casamento? – Eu pergunto inocente. Linda sorri.
- Claro que não! – Ela faz caretas. – Eu venho muito aqui. – Ela aponta para onde estamos. – Eu gosto de entender as vidas que estão lá embaixo. – Essa frase atiça a minha curiosidade. Ela percebe então se explica. – Olhe. – Ela aponta, eu sigo sua indicação. – Aqueles homens, são os mercadores. Os que mais ganham com essa união. Como você pode perceber, o noivo está feliz que sua esposa é bonita e jovem, ela, no entanto, está apaixonada pelo homem que está ao lado do seu pai, deve ser o valete da família. – Eu encaro Linda, chocado. Ela continua. – Observe, aquela ali é a empregada da família mercante, mas percebe a semelhança da criança? É filho do noivo.
- Isso é fofoca! – Eu interrompo. Ela me olha com escarnio. Eu na verdade não duvido. – Você já viu algum casamento por amor? – Eu questiono, ela rola para o lado, sem medo de despencar, eu mal me equilibro onde estou. Ela encara as estrelas.
- Não nesse salão. Mas tem umas fazendas ao longo da mata, lá moram famílias pobres. Eles se casam por amor. – Ela ficou em silencio por um tempo, depois sorrio. – Teve uma vez, que eu coloquei os anéis de uma família rica amarrados nos porcos dos camponeses. Eles iam se casar, mas não tinham nada, além dos porcos e de muito amor. Aí, pediram para mim "espirito selvagem" para resolver. Acredita? – Ela sorri e eu sorrio junto com a história.
- Como isso aconteceu? – Eu pergunto, tentando me acomodar ao seu lado, sem despencar do telhado.
- O casal fez uma fogueira e a fumaça me chamou a atenção, eu estava nas arvores bem ao alto, quando ele pediu ela em casamento. Ela disse que eles não tinham nada, só os porcos. E ele disse "nós temos amor". – Linda fez uma pausa na história, desenhando os céus com as pontas dos dedos. Então me olhou e eu senti minha espinha arder. – Ela disse "amor não é o suficiente" e então saiu. Deixando o homem lá. Ele chorou e disse "espirito selvagem, se você existe mesmo, torne possível" e eu estava lá Augs, ouvindo as preces como se fosse uma divindade. – Ela volta a encarar o céu. Eu poderia passar horas aqui, admirando sua beleza, sua pele brilha com a luz da lua e eu sou obrigada a morder meus lábios, para ter a certeza de que não estou sonhando. Ela realmente existe. – No outro dia eu roubei os anéis de uma das famílias ricas do vilarejo e amarrei nos porcos. Aí você já pode imaginar o resto da história. – Ela conclui, eu sorrio. – Acho que estamos atrasados. – Ela fala, me despertando. Eu encaro a janela e percebo a movimentação para o banquete.
- Vamos Linda! Como descemos daqui agora? – Eu pergunto, ela sorri diabolicamente.
- A gente pula.
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Tormenta
AdventureA protagonista é louca e vai se tornar a vilã que mata todo mundo no final. É um prato cheio, tem romance sáfico, umas cenas de sexo bem quentes, tem tramas, mentira, fofoca e traição. O livro é contado através do olhar de vários personagens simulta...