Estávamos todos comendo o pato assado, que estava delicioso, por sinal. Augusto estava falando como a viagem foi cansativa e porque Asnos queria que eu fosse com eles para o mar. Algo sobre a Inglaterra ter dado um golpe de estado e roubado boa parte das linhas de trafego pirata. Mas eu achei a história entediante e estava brigando com os tomates que insistiam em escorregar da minha tigela.
Berenice tirou a tigela de mim fazendo cara feia. Eu cruzo meus braços. Eu estava ganhando a briga com os tomates.
- Quem sabe não conversamos sobre como o vestido de casamento da filha do comerciante desapareceu? – Tavaras diz se recostando na cadeira.
- Mentira! O vestido sumiu? Mas a noiva está bem? – Eu finjo surpresa. Augusto ri. Tavaras o encara e ele se afoga com o suco de frutas. Eu rio da sua covardia. Eu sempre quis um cão, acho que vou pedir para ficar com Augusto, eu posso ensiná-lo a fazer xixi fora de casa.
- Deixa de ser teatral Linda, onde está o vestido? – Tavaras me pergunta, me despertando dos meus pensamentos. Berenice volta para a mesa, repousa sua mão suavemente no ombro de Tavaras, que se acomoda com o toque.
- Tavaras, guarde seu tom rude para os mercadores. – Berenice sempre usa seu tom mais dócil comigo, como se o separasse exclusivamente para mim. – Filha, foi você quem roubou o vestido? – Eu a encaro, torço os lábios, dedilho os dedos sob a madeira da mesa e confirmo com a cabeça. – Porque? – Ela pergunta desapontada.
- Essa é a grande questão! – Tavaras explode. - Porque você faz essas coisas Linda? – Ela questiona. Eu sei que ela já está cansada de ter que inventar desculpas para o meu comportamento. Eu só não entendo porque ter todo esse trabalho? Deixe que o mercador resolva seus próprios problemas!
- Porque eu não fui convidada para o casamento! – Eu berro de volta nessa competição de quem consegue falar mais alto. – Afinal, eu nunca sou convidada para nada! Eu estou morta. – Eu me jogo na cadeira e coloco a língua para fora.
- Você não entende que isso é para te manter viva? – Tavaras aponta para a cabana. A velha e simplória cabana. É tudo que foi me concedido desde o momento em que eu nasci. Minha mãe nos escondeu aqui porque sabia que meu pai tinha inimigos e que eles viriam até nós. Como de fato vieram. E levaram tudo de mim.
- Se me permitem dizer, eu creio que as pessoas apenas não querem achar vocês. – Augusto diz, sem saber exatamente para qual de nós olhar. - Porque eu demorei só alguns meses para encontrar a Linda. – Ele resume. Eu o encaro. Tavaras aponta para o garoto com as feições mais irônicas que ela consegue moldar no rosto.
- E ele é um boçal. – Tavaras diz. Augusto a encara. Ela faz um sinal para que ele não guarde rancor de suas palavras.
- Eu sei me defender! – Eu grito levantando da mesa. – E já que estamos sendo sinceros, porque não aproveitamos o jantar para colocarmos alguns assuntos em dia? – Eu pergunto. Eu consigo sentir a onda de raiva tomando controle do meu corpo. Ela é quente e instável, uma mistura de fogo e gelo. Primeiro ela começa no meu intestino, sobe como arrepios e toma a minha consciência para si. Toma posse dos meus músculos e das cordas vocais, é como se eu não fosse mais dona de mim, como se eu não tivesse mais o direito de tomar minhas próprias decisões, como se eu não fosse mais responsável pelos meus atos. – Vocês estão aqui pelo meu pai! Todos estão! Seja lá a dívida cármica que vocês acham que tem com ele, esqueçam! Não é comigo que vocês vão conseguir sanar. Todos que vem até mim, estão iludidos com o homem que ele já foi um dia. Convencidos pelas suas mentiras, como se seus feitos tivessem justificativas. – Eu balanço a cabeça antes de continuar, piscando os olhos para manter meu foco. – Tavaras, tia, você amava não somente meu pai, mas minha mãe e minha avó também e lida com a saudade afogando-a em cerveja barata todas as semanas na bodega do vilarejo. E Berenice, francamente, eu não sou a filha que você sempre quis! E eu nunca vou ser! Aqueles vestidos pomposos que você guarda nas caixas embaixo da sua cama, eu nunca entrarei neles. Eu nem se quer uso aquele monte de firula. E Augusto, você e eu não nos conhecemos! E só porque eu não atirei em você, não quer dizer que sejamos amigos. Você veio aqui atrás de uma salvadora para os problemas do seu pai com a marinha inglesa, nem se quer são seus problemas! Por um acaso conseguiu me encontrar, mas para eu caber na fantasia de cada um de vocês eu teria que ser mais ele do que eu. Meu pai era um lunático! E por causa dele eu não tenho minha mãe e minha avó. E vocês reclamam que eu roubei um vestido? ELE ROUBAVA VIDAS. – Eu já não sei a quanto tempo eu estou falando, mas antes que eu pudesse continuar meu discurso, Tavaras me acerta um tabefe no rosto. Meus olhos marejam. Eu a encaro.
- Cansei de escutar suas reclamações e de te tratar como uma criança mal compreendida! – Ela diz, eu a fulmino com os olhos. Eu nunca a vi com tanta raiva no olhar, acredito que nossas dores estejam moldando nossos rostos. Eu me encolho. Eu não queria ofender, eu só queria que ela entendesse... – Você não vai ofender seu pai na minha presença! Nem o culpa-lo pela morte da sua mãe. Se você quiser se matar no mar, vai. Mas isso vai ser uma escolha sua! O destino está escrito, independente do que você quer ou não. Quando você aceita uma vida de pirata, sua vida não lhe pertence mais, pertence ao mar! Sua mãe sabia disso. – Berenice se aproxima para intervir, Tavaras ergue uma mão, mas sem tirar os olhos de mim. Berenice estaciona. – Você é uma princesa! Mas princesas piratas não ganham uma tiara bonita quando completam certa idade. Elas conquistam. Se quiser roubar esse trono para si, primeiro terá que aprender a usar roupas. – Ela me encara de cima abaixo. - Segundo, a respeitar aqueles que vieram antes de ti, porque se não fosse por eles, você não teria nada para herdar. – Eu escuto cada palavra, engolindo em seco. Viro nos calcanhares, bufo alto para mostrar minha indignação, do as costas e caminho para o meu quarto. Grito para Augusto, que cambaleia para fora da mesa e me segue.Ela fez eu parecer uma garotinha assustada que não conhece nada da vida. Eu até posso não conhecer, mas a culpa é de quem? Talvez daqueles que contaram a história do triste casal que morreu abraçados no salão principal do castelo, a mãe carregava nos seus braços uma menina, que assombra as matas da cidade.
Eu não sou um fantasma.
E essa história não é sobre o meu pai, não é sobre o Duque, não é sobre as suas aventuras. Não está escrita no passado. É sobre mim! E sim, talvez todo mundo vá morrer no final, mas eu mesma vou mata-los.
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Tormenta
AvontuurA protagonista é louca e vai se tornar a vilã que mata todo mundo no final. É um prato cheio, tem romance sáfico, umas cenas de sexo bem quentes, tem tramas, mentira, fofoca e traição. O livro é contado através do olhar de vários personagens simulta...