É real - Augusto

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Você já tentou parar a chegada de um anjo com as próprias mãos? Sua pele é arrancada dos ossos, tudo no caminho queima. Porque o mundo não está preparado para tal beleza, complexidade e caos.

É o mesmo quando se está na presença de Linda. Ela não parece pertencer a esse mundo. Uma divindade, dos deuses antigos e aqueles que nossa criatividade ainda não soube pintar. Não tem como não se apaixonar por ela. Sua fala embala, hipnotiza em uma frequência silenciosa, mas que nossos órgãos correspondem.

Uma comunicação invisível. Mas que aconteceu.

Eu perdi o controle, que já me era pouco. As horas parecem dias quando compartilhados com ela. As folhas dos diários parecem não ser capazes de segurar nossas histórias e quando eu percebo, entre um arfar e outro, faz tão pouco e já não me restam páginas em branco.

Linda era uma ideia, uma meta, uma proposta. Agora é um desafio.

Eu me aventurei nessa ilha em uma missão perdida com meu coração despedaçado e cego por Catherine. Meu pai precisava se livrar do filho que não servia para guiar o navio e nem os negócios da família. Me dedicou uma jornada imaginária que se tornou suicida.

Eu nunca fui o homem que segura uma espada. Mas hoje estou aqui ponderando a nossa partida. Eu morreria para defender aquelas tranças. O que soa ridículo. Ela não precisa de mim, nem de ninguém. Aprendeu, jovem demais, a se defender. Talvez isso faça dela a criatura mais dócil e mais fria que já existiu.

Uma perversão da natureza.

As decisões que tomamos uma noite antes não eram tão assustadoras quanto agora. Hoje a mera ideia de perde-la me apavora. Eu não tinha nada até chegar a essa ilha. Agora eu posso ter tudo, ou perder o que conquistei.

Sou arrancado de meus devaneios quando Linda entra em meus aposentos, pela janela.

- Você sabe que existem portas, não sabe? – Eu digo, sorrindo de sua travessura. Ela me devolve o sorriso com uma revirada de olhos. Seu corpo tão fino, sua pele parda reluzindo a luz prateada da noite. Ela caminha graciosamente até mim.
- Você está com medo de subir no navio, sendo que chegou até aqui em um. Eu nunca estive no mar. – Ela diz apoiando os braços em volta da minha poltrona. Eu balanço o rosto em negação. Não estou com medo da aventura em si, mas também não quero demonstrar minha fragilidade tentando encontrar as palavras certas para o que eu estou sentindo.
- Existem pessoas que são do mar e existem pessoas que não são. Você claramente é feita de água. – É tudo que eu digo, uma frase que não deixa de ser verdade, mas que não a conta com totalidade. Linda sorri. Solta a cadeira, me encara entre suas passadas e conclui:

- Eu tenho dois corações.

Eu sei de onde ela tirou essa informação. Eu já a li em algum dos diários de seu pai. Nesse momento o coração de água que bate em seu peito está chamando por ela, está implorando pelas aventuras, mas provavelmente ela tem algo em terra que lhe chamará de volta, antes que o seu segundo coração vire pó. Talvez as árvores? Será que Linda sabe que não existem árvores nos oceanos? Eu sorrio da minha ironia.

- Amanhã nós embarcaremos. Antes do nascer do sol. – Eu concordo, ela sorri, se pendura na janela e desaparece na noite.

Nunca soube de um fantasma capaz de ser tão real.

Eu estou algumas luas de Catherine e isso deveria ser o suficiente para me motivar a embarcar. Eu não queria admitir padrinho, mas agora eu compreendo quando você disse em seus diários que era fácil amar mais de uma mulher.

Nesse momento Berenice deve estar finalizando a carta que levará a proposta formal até Arthur. Essa carta, vai mudar tudo.

Eu nem posso dizer que nunca invejei Arthur antes.

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