Era uma mata fechada, cheia de teias de aranhas. Uma subida íngreme, montanhas acima. Meu pai me deixou com alguns homens de sua confiança, segundo ele, eu deveria confiar somente em mim mesmo e em minha espada. Para o meu azar, eu não sou muito bom com a espada.
Essa escalada fez bolhas nos meus pés. Eu carrego uma bolsa de couro com muitos livros e suprimentos que deveriam durar três dias, mas que eu já comi somente nessa caminhada. Um dos homens corta as folhas a minha frente, para abrir caminho. Usa um facão enorme que ele sustenta com pomposidade. Os outros carregam pistolas. Todos eles parecem ter dormido em tabernas nas ultimas 4 noites. O cheiro de cerveja aguada emana de seus corpos.
O sol queima minha pele e faz meus pés escorregarem por dentro das botas. Deve ser esse o motivo das bolhas. Essa cidade é quente, mesmo sendo uma ilha e rodeada pelo vento marítimo ainda assim é capaz de secar a saliva de dentro da minha boca.
Um dos homens faz sinal para pararmos de caminhar, parece ter ouvido alguma coisa. Antes que eu posso falar algo, uma garota pousa no meio de nós. Ela pareceu flutuar do alto das arvores para o chão, tamanha graciosidade em seu pouso. Ela nos olha com curiosidade, mas sem deixar um único sorriso escapar. Sua pele escura reluz o sol e seus olhos negros, parecem dois abismos. Eu abro e fecho a boca, tentando entender o que está acontecendo, quando um dos homens comete o erro de apontar uma pistola em sua direção. Tudo que aconteceu em seguida foi rápido de mais para que eu pudesse compreender. A garota arranca a arma do homem e dá um tiro em sua testa, sem pensar duas vezes. Eu cambaleio para trás com o som do disparo, caio entre as folhas e vejo ela entrar na briga com os outros dois homens.
Segundos depois estão todos mortos. Menos eu. Ela parece achar graça do meu comportamento covarde. Ela se aproxima, ela caminha como se estivesse dançando. Os cabelos presos em tranças cumpridas ao longo da sua silhueta.
- Quem é você? – Ela pergunta. Sua voz é melodiosa, para uma assassina.
- Meu nome é Augusto. – Eu digo, ainda atormentado pelos homens mortos, ela brinca com a pistola antes de aponta-la em minha direção. – Filho de Asnos. – Eu digo, mais gago do que gostaria. Suas feições mudam, de indiferença para curiosidade.
- Asnos, da Escócia? – Ela questiona. Eu concordo com a cabeça, tentando ficar de pé. – Como me encontrou? – Ela diz, se aproximando de mim. Eu temo por minha vida, e sempre fui muito tagarela, então respondo o que ela quer ouvir, ainda sentado no meio das folhas com medo das aranhas que me encaram com a mesma curiosidade da garota.
- Meu pai disse que se tivesse alguma esperança de você estar viva, você estaria aqui em Torunta. Eu estou na cidade há alguns meses e bom, há dois dias você roubou o vestido de noiva de uma donzela. – Ela começa a rir, parece achar graça do ocorrido. – As pessoas te chamam de "espirito selvagem" é um nome bem poético. Afinal, você deveria estar morta... – Ela fecha a cara e mira a arma na minha testa. – Não que eu a queira morta! – Eu me antecipo - Pelo contrário. Meu pai quer que eu a leve até ele. – Agora ela explode em gargalhadas. A garota chega a se apoiar nos joelhos de tanto rir. – Desculpa mylady, mas eu falei algo engraçado?
- Escuta garoto – Ela me interrompe - mesmo que eu não lhe mate, minhas tias irão! Provavelmente, até o amanhecer, você será comida dos porcos. Não tem nenhuma chance d'eu sair dessa mata. – Ela fala com graça, mas eu sinto a dor nas palavras. Como se ela já tivesse tentado antes.
- Suas tias? – Eu pergunto. Ela pisca os olhos e chacoalha as tranças.
- O que seu pai quer comigo? – Ela pergunta. E eu percebo que quem tem a arma é quem dita as regras do diálogo.
- Ele quer que você assuma o trono que é seu por direito. Convenhamos, você sabe que essa cidade não é tudo que você tem. – Eu coloco minhas mãos na bolsa para retirar uns livros, mas ela fecha a cara, eu faço sinal de rendição. – São apenas livros. – Eu digo, como justificativa. Tiro os diários da bolsa, ela os encara, não parece estar surpresa.
- São os diários do meu pai. – Ela diz. Eu concordo. – Eu tenho alguns. Linhas e mais linhas tentando justificar as monstruosidades que ele cometia. – Ela me oferece uma mão, para que eu possa levantar do chão, eu a seguro e me ponho de pé. Ela me encara, deve ter concluído que eu não sou uma ameaça. Diferente dela, no caso. Eu não sei se tenho mais medo das aranhas ou de ficar ao lado dessa garota. As moscas começam a zumbir em volta dos corpos que ela deixou ali. Eram bons homens. – Vamos, o barulho dos tiros vai chamar a atenção e logo os camponeses estarão aqui.
- Para onde vamos? – Eu pergunto. Confesso que estou preocupado com a minha integridade, afinal, ela nem perguntou sobre os homens antes de mata-los. – E porque você não está usando roupas?
- Roupas são muito limitantes. – Ela diz, dando de ombros. Sua beleza é insana. Impossível de descrever, seus peitos estão descobertos e ela usa calças curtas que mais parecem ceroulas. Facas estão amarradas em volta das suas coxas e ela tem alguns amuletos pendurados no pescoço. Linda parece uma divindade. Caminha como uma divindade, fala como uma, parece uma. Eu nem sei se ela é real. Talvez eu já deva estar desidratando por conta do sol e tudo isso não tenha passado de uma alucinação e o "espirito selvagem" seja apenas uma lenda local – Eu vou tentar mantê-lo vivo para conversarmos com minhas tias. – Ela diz e eu acho que depois disso, eu desmaiei.
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Tormenta
MaceraA protagonista é louca e vai se tornar a vilã que mata todo mundo no final. É um prato cheio, tem romance sáfico, umas cenas de sexo bem quentes, tem tramas, mentira, fofoca e traição. O livro é contado através do olhar de vários personagens simulta...