Eu estava sentada com Berenice, junto a mesa. Suas preocupações em relação ao mar são válidas. Boa parte da nossa vida foi sob Teresa. Sabemos o quão imprevisível é viver da pirataria. Como mães de Linda tememos por ela e por nós.
- Não temos um homem para nos proteger. – É uma fala dolorosa. Dói ao falar e dói ao ouvir. Vivemos em um mundo onde mulheres são submissas, escravas de sua condição como fêmea. Por mais que nosso passado tenha garantido respeito e prestigio, ainda somos mulheres. Berenice me encara com os olhos marejados. Eu sei que ela não quer ter que esconder nossa relação. O sentimento é recíproco.
- Para esse plano dar certo, precisamos de um homem que sirva de álibi. – Berenice desvia o olhar e encara os talheres em prata. O Duque nos deixou toda a sua riqueza e de nada ela vale se não conseguirmos sustentá-la.
- Linda não vai ser obrigada a se casar! – Berenice murmura, mas eu sinto o ódio em suas palavras.
- Seremos nós contra o mundo. – Eu digo. Também não gosto de um casamento arranjado, mas eu e o Duque vivemos por anos, fingindo um matrimônio...
- Então espero que o mundo esteja preparado. – Eu volto meu olhar para Berenice, o marejo se foi e eu consigo ver a antiga Bere de volta. Eu senti falta desse olhar arrogante.As portas do salão se abrem, Linda e Augusto passam por elas. Linda sorri, alheia ao que se passa. Augusto é mais recatado, seu sorriso é tímido, mas consigo ver que se divertem.
Linda senta a mesa e elogia a quantidade de comida. Berenice sorri em sua direção. Os criados se aproximam. Fazem poucos dias que vivemos no castelo e é como se isso sempre tivesse feito parte de nossa rotina.
Eu vejo uma menina trocar olhares com Linda. Augusto também percebe. Ninguém nessa mesa é criança, sabemos onde isso vai dar.
Eu encontrei o Duque muito nova, ele me salvou de um casamento arranjado e me escondeu em Teresa até que eu aprendesse a me defender sozinha. Eu ensinei Linda a se defender desde o dia em que a adotei. Mas nunca me importei em lhe ensinar sobre política. Linda é astuta, mas mimada. Não sei se está preparada para as sutilezas da vida no mar.
- Tias, vocês mandaram me chamar. O que queriam? – Linda pergunta. Eu já estava a encarando, então apenas sustentei o olhar. Berenice arruma a franja do cabelo de Linda e afaga seu rosto.
- Eu queria que você tivesse uma refeição descente filha. – Berenice diz. Eu respiro fundo.
- O que você acha de se casar? – Eu pergunto. Augusto se afoga. Berenice me olha revoltada, Linda pisca os olhos confusa. A menina que leva os jarros de vinho caminha um pouco mais devagar.
- Eu não tinha pensado sobre isso. – Linda balbucia. – Com quem? – Ela questiona. Eu encaro Augusto. – O que? É sério? Vou me casar com Augusto? – Ela pergunta, eu me assusto com a conclusão precipitada. Augusto começa a tossir.
- Não! – Eu tento me corrigir. – Claro que não. Você precisa de um marido que imponha respeito e não que tropece nas próprias calças. – Eu digo, Augusto me encara, Linda começa a rir. – Sem ofensa Augusto. – Eu continuo. – Precisamos de um homem com nome e reputação. Tem alguma sugestão? – Eu o questiono.
- Existem alguns homens que certamente teriam interesse em Linda, mas isso é arriscado. – Augusto pode ser um frango, mas entende de politica.
- Arriscado o quanto? – Eu pergunto. Linda parece não se preocupar nem um pouco, como se não estivéssemos decidindo seu futuro. Ela está mordiscando um pão doce enquanto Augusto vasculha suas próprias memórias.
- Homens com reputação, riqueza e tripulação normalmente são... bom... cruéis. – Ele diz, procurando as melhores palavras. – Foi assim que conseguiram as suas reputações. – Ele conclui.
- Vou pensar a respeito. – Eu digo. Augusto respira aliviado, Berenice me fuzila com os olhos e Linda bebe seu vinho tranquilamente. – Vamos subir ao mar no final da semana. Já temos boa parte da tripulação e dos mantimentos. Comportem-se enquanto eu estiver sendo burocrática.
- Eu preciso acompanhar as audiências? Francamente, não gosto da forma como as pessoas me olham. – Linda diz. – Temos todos os tipos de carne nesse almoço? – Ela questiona. Eu sorrio.
- É tradição comer carne antes de ir ao mar filha. – Berenice sempre com seu tom mais doce. – Vamos passar muito tempo no mar, dificilmente terá carne nos almoços. – Linda parece curiosa por alguns instantes, depois toma a informação para si.
- Não precisa ficar nas audiências. – Eu a libero. Linda sorri para mim e depois começa a cutucar Augusto, que parece ter perdido o apetite. – Aproveitem suas semanas em terra.
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Tormenta
PertualanganA protagonista é louca e vai se tornar a vilã que mata todo mundo no final. É um prato cheio, tem romance sáfico, umas cenas de sexo bem quentes, tem tramas, mentira, fofoca e traição. O livro é contado através do olhar de vários personagens simulta...