Telhado - Linda

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O dia hoje foi estranho, tinham várias pessoas que não me conheciam, mas sussurravam coisas sobre mim. Os corredores levavam esses cochichos até meus ouvidos.

Em determinado momento eu fugi, mas diferente de antes, agora as pessoas se atentam aos telhados, procurando por mim. E volta e meia me encontram.

Eu fui até a beira da praia, molhei meus pés na água e acompanhei o carregamento do barco. Uma estrutura enorme que flutua. Eu nunca vou entender a dinâmica.

As pessoas agora se curvam quando me veem. Me cumprimentam e esperam a minha aprovação. Antes eu era um fantasma, passava despercebido por meio das arvores. Agora que todos sabem disso, estão atentos, esperando por vestígios da minha existência.

Eu voltei para o castelo, tinha aulas de politica com Augusto. Ele não parece estar empolgado, pelo contrário, parecia estar ansioso, com medo. Poucos dias se passaram desde que Augusto entrou em minha vida e eu temo soar prepotente, mas eu o mudei completamente, assim como ele me mudou também.

Hoje em especial, ele estava impaciente. Até o final da semana estaremos em alto mar. Eu pensei que já soubesse de tudo sobre essa vida, vivendo através das linhas dos diários do meu pai. Porém, ao que tudo indica, eu preciso mais do que a teoria.

Eu fui ao pátio de trás do castelo, quebrei alguns vasos que eu pedi que retirassem de uma das salas. Fiz deles alvo para os meus tiros.

Lucia foi atraída pelo som e me convenceu a ir com ela até o celeiro. O feno macio aqueceu minhas costas enquanto ela se despia em cima de mim. O incidente mais cedo com Augusto não pareceu constrange-la ou podá-la, pelo contrário, continua sendo a serviçal mais ousada que esse castelo poderia ter. Eu ainda devo ter feno no meu cabelo.

Agora estou no telhado, apreciando a vista. Daqui de cima eu consigo ouvir as ondas do mar quebrando na praia. Consigo ouvir os guardas fazendo ronda e ver o fogo das casas. Minha mente se acalenta, e tranquilizá-la é algo que estou em constante busca.

O frio não me incomoda. O que me incomoda é não ter as respostas que eu procuro.
Esse pedaço de terra nunca foi o suficiente. Meus pesadelos me lembram que não estou segura aqui. Precisei fingir estar morta a vida inteira e agora que tenho minha vida sob meu domínio, não sei o que fazer com ela.

Estarei indo ao mar, mas por que? O que eu espero encontrar no oceano? Mais pessoas que iriam preferir que eu continuasse morta?

Asnos, pai de Augusto, me quer ao seu lado, para fortalecer sua frota, aumentar sua reputação e talvez casar seu filho. Augusto não serve como marido para mim. Afinal, o marido deve ser mais forte que a esposa e eu poderia matar Augusto com um único golpe. Mas a questão é: estou sendo arrastada para problemas que não são meus.

Eu tenho um reino, uma terra que eu odeio, que acabei de reivindicar, apenas para poder fugir desse chão e dos traumas que esse lugar carrega. A desculpa é uma vingança de um pai que eu não me lembro. Que tudo que eu sei eu li em linhas e mais linhas de juras de amor. Juras que não foram cumpridas. Meu pai atraiu para si seu destino. Eu não posso dizer que estou fazendo isso por minha mãe ou por minha vó, elas jamais iriam querer que eu pusesse meus pés em um navio.

A verdade é que eu estou fazendo isso por mim. Uma atitude egoísta. Vou usar o nome do meu pai para que o mar se abra, mas o que eu quero é entender quem eu sou. Essa inquietude estava presente nos diários. Ele dizia que tinha dois corações, um de terra e outro de água. Ele não podia ficar muito tempo em mar e nem muito tempo em terra. Estou torcendo para que eu sofra da mesma maldição e quando eu estiver em mar, meu coração de água possa me dar sossego, nem que seja por um único momento, até o coração de terra arder.

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