VINTE E UM

89 13 0
                                    



Fechei o registro do chuveiro e comecei a me enxugar. Quando terminei, espremi na palma da mão uma porção generosa de creme hidratante. Espalhei pelo corpo devagar.

Minha pele ardia. Parecia que eu tinha acabado de sair do banho, após um dia de sol e diversão na piscina da Fazenda Amarela. Daqueles em que eu ficava plantada com meu maiô de babados lá onde a água chegava à cintura, assistindo a Dinha e Lauren brincarem de quem nadava mais rápido de uma borda a outra da piscina. Nem preciso dizer qual dos dois sempre vencia e depois provocava

Apalpei meu braço, observando uma mancha branca se formar na pele e se avermelhar gradualmente depois que afastei os dedos. Culpa dos quarenta minutos que eu tinha passado debaixo do chuveiro escaldante. Ora prendendo a respiração e apertando os olhos contra o jato de água quente, numa espécie de penitência pelo espetáculo da filha ingrata. Ora esfregando minha pele com o lado áspero da bucha, na impossibilidade de esfregar meu coração.

Eu teria esfregado. Feito meu coração em pedaços. Teria reduzido-o a migalhas para não ter de carregar no peito um coração que batia por Lauren e apenas por ela.

E, no entanto, sentada na posição de índio na cabeceira da cama, penteando os cabelos úmidos, eu me peguei sorrindo, devaneando sobre a tarde nas areias. Estremeci quando uma parte do meu cérebro, a parte mais estúpida, agradeceu pela água não ser capaz de levar as lembranças das suas mãos no meu corpo. Seu perfume em minhas narinas.

Sua voz sussurrando "Sempre fui louca por você"...

"Camila?" Sobressaltei-me com a batida na porta, como se flagrada tendo pensamentos proibidos. "Posso entrar?"
Endireitei o corpo.

"Hum, claro! Pode entrar!" Papai abriu a porta e entrou, meio de lado, equilibrando uma bandeja, que deixou sobre a escrivaninha.

Espichei o pescoço. Sanduíche de queijo derretido e uma caneca fumegante cheirando a chocolate. Sentou-se na cama, apoiou os cotovelos nos joelhos e ficou lá, de mãos entrelaçadas, fazendo aquele movimento circular com os polegares enquanto olhava vagamente para eles.

Seguiu-se um instante horrível de
silêncio em que eu me senti como a Alice, de Lewis Carroll, depois de tomar o xarope do encolhimento.

"hija, eu sinto muito" começou. "Pensei que você gostasse da Joana. Ela me disse que você falou qualquer coisa sobre..."

"Pai" eu o interrompi. Deixei o pente de lado e segurei com firmeza as mãos dele, que pareciam frias na minha pele cozida em banho-maria. "Eu é que preciso me desculpar. Nada justifica o showzinho infantil, mas é só que... Estou meio aborrecida. Muito aborrecida. Mas não é com você, não. Nem com a Joana. Eu gosto muito dela, muito mesmo, e não tinha o direito de descontar as minhas
mágoas nela, de tratá-la daquela maneira. Onde ela está?"

"Foi para casa. Disse que amanhã conversa com você."

"Ai, que vergonha, pai! O que ela vai pensar de mim? Será que me odeia por ter estragado o jantar?" Ele riu.

"A Joana é incapaz de odiar alguém." Riu de novo. "E você, não é capaz de provocar ódio em ninguém. Amanhã você se explica. Vai ficar tudo bem."

"Acha mesmo?" Mordi o lábio.

"Tenho certeza" disse ele. "Mas e você? Vai me dizer por que está muito aborrecida?"

"Hum. Acho que não" bufei, infeliz. "É uma longa história."

"Quando quiser... sabe que estou aqui,
não sabe? Sempre estarei."

"Obrigada." Hesitei por um
momento. "E, pai... Sobre o que eu disse antes... sobre as pessoas que eu amo mentirem para mim... Não é verdade, sabe. Eu não penso assim. Não no que diz respeito a você."

Azar o seu! CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora