Doze

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Nos dias que se seguiram, eu me sentia superanimada. Comecei a pensar no que vestir e a me maquiar com rímel, blush e batom antes de descer para a floricultura, com direito a um retoque depois do almoço. Papai notou a diferença. Especialmente pela paciência de Jó com que passei a atender aos clientes. Era cuidadosa em minhas indicações, tirando aquela vez em que escolhi a rosa mais espinhenta para a amante de um homem casado. Nas incontáveis horas vagas, eu lia Orquídeas, um Guia Prático (a gata ia ver só uma coisa).

Na terça-feira, ajudei Joana a redecorar a loja depois de uma manhã inteira analisando minuciosamente seu portfólio de desenhos e fotos de arranjos. Suas mãos trabalhavam com habilidade e eficiência, algo impressionante de se ver. Eu a chamei de Joana Mãos de Tesoura. Papai lançou-me um olhar de advertência. Mas, após o silêncio que se seguiu, nós três caímos na risada.E quando juntei coragem e telefonei para o austin (porque papai tinha razão: eu não podia ter medo de pressionar o Austin, de lutar pelo que eu queria; era a minha carreira que estava em jogo, afinal de contas), nem fiquei chateada quando ele explicou a situação.

"Não está fácil, camila. Você foi demitida por justa causa. Mesmo não constando nos seus documentos, você sabe como as notícias se espalham. Pelo contrário. O desafio só aumentou a minha determinação."

"Confio em você, Austin. E confio no meu currículo."

" Se você for mais flexível em relação à cidade... Consegui essa empresa, não é uma grande companhia nem nada, mas..."

"Qualquer lugar está ótimo" eu o interrompi. Não me interessavam os detalhes. Eu queria uma entrevista, um emprego. Só naquele minuto de conversa, minha dívida devia ter crescido horrores, com as taxas de juros astronômicas do nosso país. "Vê o que consegue aí e me fale."

Deu certo. Ele me telefonou na manhã seguinte. O departamento de recursos humanos da empresa, uma confecção de roupas infantis com lojas próprias, tinha agendado a entrevista para a próxima segunda-feira. Ao que parecia, o gerente de logística tinha ficado bastante interessado em minhas qualificações. Papai também ficou feliz com a notícia.

"Pode ir de Kombi se quiser " ofereceu, secando as mãos no pano de prato.

"Melhor não, pai" respondi, recostada na pia, pensando na última vez em que tinha viajado naquele trambolho velho.

Enquanto caminhava pela pista de corrida da universidade, eu pensava nas calorias que gostaria de perder. Eu testemunharia um milagre se conseguisse perder cinco quilos em quatro dias, mesmo depois de reduzir os carboidratos a farelos e eliminar as gorduras do cardápio. Mas montei uma rotina de exercícios, pois era bom suar o corpo, ter a sensação de dever cumprido.

Eu estava observando a paisagem verde chamuscada ao sol, os fones de ouvido tocando blues... Estava enchendo meus pulmões com um ar bem puro, quando algo me ocorreu. A gata sabia um bocado de coisa a meu respeito. E não estou falando de suas tentativas bem-sucedidas de bancar a vidente. Nem das minhas infelizes confidências durante o tiroteio. Mas das coisas que eu mesma contei, por livre e espontânea vontade.

Além de não saber o nome dela, eu não sabia em que país ela morava, o que estava fazendo em Miami, que tipo de compromisso familiar ela dizia ter. E aquela coisa de saltar de bungee jump, tocar em pubs lotados, pilotar helicóptero? Um abismo de desvantagem! Nem um pouco justo! Por isso decidi confrontá-la, enchê-la de perguntas assim que o encontrasse na quinta-feira para fazer... sabe-se lá o quê.

Ah, Deus! "Surpreenda-me." Era a véspera do encontro e minha mente ainda não tinha feito clique com uma ideia original. Minha falta de criatividade levou-me a apelar para a agenda cultural da cidade. Ao chegar em casa, abri o laptop, busquei o site e cliquei na data. Já tinha começado a resmungar quando o anúncio de um evento chamou a minha atenção.

Azar o seu! CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora