Quatro

276 19 1
                                    




Eu não a conhecia, mas ela me parecia tão familiar... E não estou me referindo ao fato de ela ter a petulância de Lauren. Petulantes, muitos eram. Mas sei lá. Talvez fosse o carisma. Só podia ser. Ela era carismático de deixar uma penca de covardes à vontade sem precisar de uma palavra.

Em mim, no entanto, seu carisma produzia o efeito contrário. Ela me deixava nervosa. Não preocupada. Mas nervosa como eu me sentia quando lauren aparecia atrás de mim no piano e começava a brincar com o meu cabelo. Por que uma mulher tão gostosa quanto a Sra. Desperdício me abraçaria antes de morrer? Será que minha trajetória de azar teria se invertido assim tão drasticamente só pela perspectiva de chegar ao plano superior? Isso era animador, sem dúvida. Um ponto para a morte. E deve ter sido por tudo isso (a confusão da morte, o carisma da Sra. Desperdício, sua tremenda boazuda e meu nervosismo infantil; sem mencionar a dor de cabeça abrandando em doses homeopáticas)

"O que você está fazendo aqui?" minha voz saiu em tom de acusação

" Então você se lembra?" Uma expectativa fora de contexto se espalhou pelo rosto dela. Tive a impressão de que, atrás dos óculos de sol, seus olhos cintilavam esperançosos. Não fazia sentido, fazia? Cheguei a duvidar de que estivéssemos falando a mesma língua. Ou a respeito do mesmo assunto.

Como naquela vez em que Danilo, meu ex- chefe, encontrou uma falha nas estatísticas de trens em espera no pátio de carregamento.

" Cabello!" Danilo apontou seu dedo nodoso na minha direção. "Traga um Black Belt! Já!"

Antes que ele tivesse chance de recolher seu dedão, eu já estava longe da reunião. Corri até a mesa de Fernanda, que, eu sabia, estava escondida na sala de fotocópias duplicando as últimas edições da Vogue para sua irmã. Abri a gaveta cheia de extratos bancários, preservativos (preservativos?) e lixas de unha, e roubei por alguns minutos o BlackBerry que ela ganhara no dia dos namorados. Fernanda não ficaria brava comigo. Ainda não se revelara uma vaca fofoqueira e mentirosa. Não foi fácil convencer Danilo mais tarde de que tudo não havia passado de um mal-entendido, uma confusão entre estrangeirismos e semelhantes, não
burrice humana, como, de fato, era." Veja você, Danilo." Soltei uma risada sem graça, esfregando as mãos de nervosismo. "Black Belt, BlackBerry... Que cabeça a minha!" É. Foi ridículo. Confundir um termo técnico da área de controle da qualidade com um telefone celular foi um carão...

" Então? " Era a Sra. Desperdício me cutucando na maior intimidade. "Lembra ou não lembra? Sabe quem sou eu? "

"É claro que sei" eu disse, com raiva, tirando o dedo dela de cima de mim, para que eu conseguisse me concentrar no tom rude sem tropeçar nas palavras. " Você é a maluca que comprou a última garrafa de água e ainda me ofendeu com tanto desperdício jogado na minha cara! Como se eu não merecesse respeito só porque dei uns amassos na minha prima!" Um minuto. Eu não tinha dito isso em voz alta, tinha? Ah, que se dane! Eu já estava morta mesmo. " Como se eu não merecesse respeito pela sede que sentia."

"Ah " suspirou, desanimada. "Vi você saindo do carro." Ela ficou muito quieta, quem sabe avaliando as possibilidades de estar lidando com uma louca. Tomara que ela a considerasse a experiência da morte como única responsável por meu comportamento agressivo. Não era. A verdade é que eu andava insultando as pessoas sem motivo ultimamente, numa cruel tentativa de aliviar a frustração da minha vida infeliz.

" E aí?" perguntei. " Qual é a conclusão?"

"É só que..." disse ela. "Confundi você com outra pessoa."

"Da próxima vez preste mais atenção." De início, não entendi a decepção em seu rosto. Quer dizer, eu não tinha falado nada de mais, tinha? Ela realmente precisava pensar duas vezes antes de sair por aí mandando beijinho para as pessoas, não precisava?

Azar o seu! CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora