"Oi, pai" eu disse, alegremente, ao entrar na sala."E aí? Se divertiu?" Ele desligou a tevê e esfregou os olhos. " Você parecia empolgada. Tão apressada descendo as escadas que nem tive tempo de entregar..."
"Muito. Me diverti demais." Estendeu-me um envelope retangular. "Deixaram na loja mais cedo." Passei os dedos pelas nervuras do envelope fino e elegante.
Eu reparei na caligrafia cheia de arabescos, eu conhecia aquela letra, e de repente soube exatamente o que ia encontrar ali dentro. Quando puxei a fita de seda, meus olhos encheram-se de lágrimas. O convite do casamento de Dinah. Olhei o anel no meu dedo. A pedra agora era de um azul muito escuro. Feliz, romântica e apaixonada.
Parecia demais para a Vida Real da Camila. Como se alguma coisa estivesse fora de lugar. Como se, na verdade, aquilo fosse o olho do furacão e eu estivesse sendo conduzida para o caos, lentamente e sem perceber. Um prévio consolo de ventos calmos quando o ciclone ainda estava por vir.
Na sexta-feira, eu me sentia feliz demais para me irritar com as baboseiras da vida cotidiana. Sabe, essas baboseiras bobas que até uns dias atrás me fariam berrar um palavrão ou soltar os cachorros em cima de uma vítima inocente. Deus, perdoe-me por aqueles que maltratei! Eu continuava azarada, claro. O que havia mudado era a maneira de eu encarar tal fato.
De modo que, quando a fatia de pão integral pulou do meu prato e se jogou no chão da cozinha com a "geleia light" para baixo, suspirei indiferente e comecei a rir. Quebrei a unha do mindinho limpando a sujeira e concluí que minhas unhas é que estavam compridas demais. Acabei aparando as outras nove. E no momento em que, cantando John Mayer no chuveiro, ouvi o telefone tocando, enrolei-me na toalha e disparei pela casa, escorregando no corredor. Quando pus a mão no aparelho para tirá- lo do gancho, ele parou de tocar e convenci a mim mesma de que, se fosse importante, ligariam de novo e eu atenderia quando pudesse.
Para finalizar a ilustração de minha feliz desgraça, no ponto de ônibus da saída do shopping pisei num cocô mole, o que levou um grupinho de adolescentes a dobrar seus corpos púberes de tanto rir. Em vez de erguer as três sacolas que eu carregava e socar com elas cada uma daquelas cabeças alisadas com chapinha, eu simplesmente limpei o pé num montinho de grama e pensei "Alguém aí vai dar uns amassos amanhã? Não? Ainda brincam com o chuveirinho? Então riam de mim antes que eu ria de vocês". É. Eu estava animada. E deve ter sido por isso que, no sábado de manhãzinha, depois de enfiar minhas roupas novas e demais essencialidades femininas na mochila... Depois de descer para a loja a fim de me despedir de Joana, e esperar pela gata lá perto do campo de futebol, nem fiquei chateada ao atravessar a porta interna da floricultura e me deparar com Alexa.
Não fiquei muito chateada, melhor dizendo. não imediatamente. Ela estava sentada de pernas cruzadas no segundo dos quatro degraus da escada dobrável de alumínio, balançando seu scarpin de bico fino. Desde quando bolsas Louis Vuitton saem de seus armários perfumados antes das oito da manhã de sábados nevoentos? Isso sem mencionar que, levando em conta as inúmeras e bem aplicadas camadas de maquiagem na cútis de Alexa. E mais intrigante de tudo: o que aquela bolsa Louis Vuitton estava fazendo em cima do balcão da minha floricultura, afinal de contas?
"Mila, minha fofa!" Alexa levantou seu esqueleto anoréxico para me abraçar e, claro, manteve a mão no meu ombro depois disso.
A mão ficou lá. Mesmo quando sua dona precisou se inclinar, meio de lado, para recolher o lencinho xadrez, que estava protegendo seu traseiro do degrau da escada, supostamente emporcalhado com detritos de sola de sapato.
"Como vai você?" Ah, que maravilha...
Eu tinha passado alegremente por um pão caído com a geleia para baixo, uma unha quebrada, outras nove aparadas, uma chamada perdida, um "broto" e um cocô mole. Mas aquela pegajosa irritante...Respirei fundo, tentando me acalmar. Não era justo que Alexa e suas unhas carnívoras tivessem qualquer efeito sobre a pedra do humor no meu dedo, colorida de azul-escuro desde quinta-feira.
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Azar o seu! Camren
FanfictionCamila está parada num engarrafamento, pensando em sua vida azarada. Sem emprego, atolada em dívidas, ela não imagina que está prestes a viver a grande coincidência da sua vida. A motorista do carro ao lado está buzinando, tentando se comunicar com...