Oito

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Só entendi a ansiedade em sua fisionomia quando apanhei o papel. Meus olhos desceram pela coluna social, parando na foto de três pessoas com legenda estendida.

"As noivas Dinah Jane jauregui e normani Hamilton com Eleanor Silva. Eleanor é diretora da instituição filantrópica que acolhe os desabrigados das enchentes, para onde as noivas doarão os presentes do casamento que acontece no último sábado do mês de maio, na propriedade de campo da família Jauregui na Fazenda Amarela. Dinah médica residente em dermatologia, filha do cirurgião plástico Mike jauregui e da socialite Clara jauregui. Normani, filha dos advogados Derrick e Andrea Hamilton é auditor da Receita Federal. Parabéns aos noivos solidários."

Meus olhos subiram novamente para a foto. Os anos não surtiram efeito sobre Dinah. Linda, com um corpo de dar inveja a qualquer mulher, com ondas de cabelo que lhe caíam suaves nos ombros bronzeados. As maçãs do rosto coradas. Um sorriso de dentes muito brancos. A mesma expressão esfuziante no rosto perfeito, que deixava a maioria do corpo estudantil masculino babando atrás dela. E, pelo visto, continuava solidária. Ela doaria (doaria!) seus presentes de casamento aos desabrigados das enchentes. Dinah tinha o pavio curto, um gênio dominador, mas, ao mesmo tempo, um coração que não lhe cabia no peito.

Finalmente Dinah e normani tinha percebido que tinham nascido pra ficarem juntas. Quando a gente era adolescente Dinah vivia babando em normani mas fingia que amava o alfredo, e vice e versa mais nenhuma das duas admitia isso, era cômico.

Em poucos dias, Dinah se casaria com a garota dos seus sonhos. Teria a festa dos sonhos na fazenda dos sonhos. A lua de mel dos sonhos. Na casa dos sonhos, faria sexo dos sonhos todas as noites, a noite inteira. E acordaria no dia seguinte com disposição para exercer a profissão dos seus sonhos. Daria à luz os filhos mais lindos do mundo (olha só a beleza na foto do casal!), que tomariam sorvete com a tia dos sonhos (a mulher dos meus sonhos), observando a vista de Londres subir e descer pelos vidros da roda gigante.

Dinah e normani morreriam bem velhinhas, de velhice, as mãos enrugadas entrelaçadas, cercadas pelos netos dos sonhos. Felizes com a vida dos sonhos que teriam vivido, o conto de fadas. Felizes para sempre.

" Você está bem?" A voz de papai interrompeu-me o torpor.

"Hum?" balbuciei, sem parar de olhar a foto. Depois sacudi a cabeça e desviei os olhos. "Por que não estaria?"

"O convite deve chegar nos próximos dias" disse ele, com falsa animação." Ainda dá tempo. Se é nisso que está pensando

." O convite não vai chegar." Fechei ruidosamente o jornal e o devolvi a ele. "Mas estou feliz por ela" garanti. "Pode acreditar."

E era verdade. Eu estava feliz por Dinah. Mas a perfeição de sua vida só evidenciava o quanto a minha vida era infeliz. De repente a decisão de tentar olhar o futuro de maneira positiva pareceu-me uma ideia idiota. A quem eu queria enganar? Não havia salvação para mim.

Entrei no banho com a mente cheia de emoções, mas me sentindo vazia. Depois de tantos anos de amizade e cumplicidade, de confidências trocadas, eu sequer veria Dinah no vestido perolado dos seus sonhos, a cauda enorme estendendo-se por três metros. Em suas mãos, um buquê de rosas colombianas. Ela flutuaria pela entrada ao som dos violinos tocando Here, There and Everywhere.

Eu não veria nada disso porque tinha sido corajosa ao dizer palavras tão duras, mas covarde ao me calar quando tudo o que mais queria era abrir a boca e pedir perdão. No fim, tudo se resumia a isso. Eu era uma covarde. E o rumo da minha vida até agora era a consequência merecida das escolhas que eu tinha feito, todas motivadas pelo medo. Com movimentos automáticos, enfiei um pijama qualquer, deitei na cama, puxei o edredom por sobre a cabeça e ali fiquei, sem conseguir evitar o veneno que corria em minhas veias, num movimento lento de autossocorro.

Azar o seu! CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora