Não dava para acreditar. Eu não podia acreditar que ela realmente tivesse dito "tchau" assim, tão secamente. Será que havia alguma possibilidade de, na França do Napoleão Bonaparte, "tchau" significar "já estou indo, meu amor"? Por via das dúvidas, demorei uns dez minutos ajeitando o banco na posição ideal, olhando pelo espelho retrovisor a todo instante, o que era totalmente desnecessário, uma vez que eu podia ouvir.
Ela tocava violão. Girei a chave na ignição. Soltei a embreagem devagar,
pisando pela primeira vez no acelerador desconhecido. O carro deu um solavanco e morreu."Merda de Land Rover imbecil!" praguejei, odiando-me pelo ridículo que ela estaria pensando de mim ao ver seu carro empoeirado dando solavancos na paisagem. "Droga!"
Mas quando olhei pelo retrovisor (de novo), ela não estava rindo. Continuava tocando e cantando sem parar.
Não que isso me deixasse aliviada. Na verdade, tinha o efeito contrário.Com as duas mãos agarradas ao volante, fechei os olhos, tomada pelo pânico por um momento. Ai, meu Deus. Ai, meu Deus. E agora? O que eu vou fazer? Respirando fundo, abri os olhos lentamente, desejando apenas o milagre de estar na paz eterna do meu quarto da
infância. E pensar que cheguei a reclamar das paredes lilases, da velha colcha de crochê com ba ba dos...Deus, que coisinhas tão pequenas! O sol incidia obliquamente na lataria do Land Rover, de modo que não precisei consultar o relógio do painel para saber que a noite se aproximava. Fala sério! Eu não conseguia entender como é que ela podia insistir numa estratégia fadada ao fracasso se claramente quem estava numa posição confortável para fazer blefes ali
e r a eu. Quer dizer, era ela que teria de caminhar sabe-se lá quantos quilômetros de volta ao centrinho! No escuro! Ela tinha um canivete, mas não tinha uma lanterna, acho que não.Mas então o que ela esperava que eu
fizesse? Que saísse do carro, corresse
pela areia e me atirasse em cima dela suplicando "Venha comigo, pelo amor de Deus"? Bem, ela que não morresse de frio.Foi assim que Napoleão perdeu a guerra. Acelerei o carro e, dessa vez, quando olhei pelo retrovisor, Lauren tinha sumido do meu campo de visão. Tudo bem. Nada de mais. Só um carro desconhecido descendo por uma trilha mais desconhecida ainda. Alguns buracos, um milhão de galhos no caminho. Mesmo assim. Não havia motivo para pânico, certo? Eu estava descendo. E descer é sempre mais fácil. Não ia chover de jeito nenhum.
Eu podia manter a minha velocidade durante todo o trajeto até o centrinho. E daí, no asfalto firme, só alegria. Eu seguiria direto para Miami. Onde largaria o Land Rover quando chegasse lá? Bem, tanto faz. Largaria em qualquer lugar, depois mandaria um torpedo (Será que ela tinha ficado com o celular?) avisando simplesmente: rua tal, número tal, portas abertas, boa sorte. Naquele ritmo eu entraria em Miami lá pelas tantas da madrugada, é verdade...
Espere. Ah, não. Não, não e não. Não podia ser... Não podia ser... Mas era.
Uma bifurcação. Eu tinha chegado a um ponto em que a trilha bifurcava.
Direita ou esquerda?E o tanque não tinha combustível para tentativas erradas. Oh, Deus, por quê? Por que justamente eu a passar mil vezes pela barraquinha celeste da distribuição do azar, por quê? O que eu tinha feito para nascer uma anomalia?
Parei o carro e comecei a procurar no porta-luvas, no vão entre os bancos, nos mil compartimentos. Devia haver um mapa, uma bússola que me indicasse... a direção norte. Mas não encontrei nada útil. E meu celular estava fora de área de cobertura. E o dela também (Ela não tinha ficado com o celular!).
Encostei a cabeça no banco, lutando
para manter a respiração controlada.
E foi aí que eu tive o clique. Lauren sabia. Ela sabia que eu encontraria a bifurcação depois de dois quilômetros. Sabia que eu não tinha prestado atenção na trilha durante a subida, que tinha ficado de olhos fechados, chacoalhando e controlando meu estômago para não vomitar.
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Azar o seu! Camren
FanficCamila está parada num engarrafamento, pensando em sua vida azarada. Sem emprego, atolada em dívidas, ela não imagina que está prestes a viver a grande coincidência da sua vida. A motorista do carro ao lado está buzinando, tentando se comunicar com...