Quatorze

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A correria foi desnecessária. O Teatro Central, ainda estava fechado quando chegamos, esbaforidos. Quer dizer, eu estava esbaforida, porque ela ainda tinha fôlego para correr uma maratona. O segurança nos informou que as portas seriam abertas em quinze minutos. A gata olhou em volta, inspecionando. Inclinou- se para o meu lado e sussurrou

"Alguém com pinta de terceira fila do meio?" perguntou, referindo-se às doze pessoas enfileiradas em frente ao teatro. "Câmbio."

"Negativo" sussurrei de volta, cobrindo a boca." Câmbio, desligo." Então relaxamos e resolvemos comprar duas garrafinhas de água na lanchonete da frente, passear um pouco pelos arredores do teatro e pelas barraquinhas de artesanato, que se estendem ao longo do calçadão da Rua, no fim das tardes sem chuva.

"É sério, Bronquinha." Ela atirou uma pipoca na minha cabeça enquanto andávamos sem rumo pelos corredores da pequena feira livre. "Eu não entendo você. Por que não seguiu carreira de pianista?"

"Eu tinha contas para pagar."

"Aos 17 anos de idade?" encrespou.

"Era uma previsão." Dei de ombros

"Uma previsão que não deu muito certo, afinal de contas, você tem uma pilha de contas para pagar..."

"Obrigada por me lembrar. Mas já estou resolvendo esse problema. Consegui uma entrevista de emprego"

" Ah, é?" Ela jogou nossos saquinhos de pipoca numa lixeira cor de abóbora. Despejou o resto da água em nossas mãos, para lavar o sal e o óleo da pipoca."Quando?"

"Na segunda." Sacudi as mãos até secá-las. " Tomara que eu consiga a vaga." Retomamos a caminhada

Prolongando aquele instante em que a gente espera tudo ao mesmo tempo uma trocar de olhares nada casual, um silêncio nervoso, duas mãos se esbarrando, hesitando...

"Você é feliz com a sua profissão?" Ela finalmente entrelaçou a mão na minha.

"Eu estou desempregada." Fugi da pergunta, sentindo a energia irradiar de nossas mãos e subir pelo meu braço, num formigamento gostoso.

" Não se faça de desentendida." Ela estreitou os olhos verdes em minha direção

"Só falei a verdade."

"Você era feliz com o que fazia o dia inteiro todos os dias?" insistiu. "Na época em que fazia parte da classe assalariada..." Suspirei, refletindo por um momento.

Desviei os olhos para a galeria mais próxima, onde as pessoas se aglomeravam, atraídas pelos artistas de rua como mariposas pela luz. Fiquei imaginando quantos ali tinham desistido da fazer parte da classe assalariada por vontade própria.

"Prefiro não responder" eu disse, por fim. "Acho que tenho esse direito. Você foge das questões complicadas."

"Eu não fujo, mas tudo bem" disse ela. " Desde que você saiba a resposta, não precisa me dizer." Ela não me olhou. Em vez disso, soltou a minha mão e se afastou, deixando-me sozinha com o braço estendido e a evasiva perturbadora reverberando em minha mente.

Desde que você saiba a resposta. Eu sabia, não sabia? Era da minha felicidade que estávamos falando. Eu tinha certeza de que a resposta estava ali, na minha cabeça.

Só não sabia exatamente onde. Ela parou em frente a uma barraquinha hippie. Seus cílios compridos lançavam sombras nas maçãs do rosto, o nariz em linha reta. Pela primeira vez desde que tínhamos nos conhecido, sua imagem de repente me pareceu ainda mais familiar, e isso não me trouxe sossego. Mas, sim, um medo desesperador de que, em algum momento, ela fosse simplesmente desaparecer no meio das pessoas sem se despedir, e desistir de mim, como todos os outros antes dele. Como Lauren.

Azar o seu! CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora