1

504 29 54
                                    

Existiam poucas coisas que Diaval se arrependia em sua vida. Talvez ele ter conhecido Malévola fosse uma delas. 

Mesmo que houvesse sido por acaso, mesmo que ele não tivesse a menor intenção, Diaval a conhecera. Sua vida virou de cabeça para baixo depois disso. Ele acabou por apegar-se a mulher, e considerá-la muito mais do que ela realmente merecia. E então, as asas dela voltaram; a espécie dela voltou. Sutilmente, tudo entre ela e seu fiel servo foi mudando, até chegar a hora de desmoronar.

"Malévola não precisa mais de mim e deixou bem claro. O que eu ainda estou fazendo aqui?" pensava atualmente com mais frequência que o normal. Sua personalidade falante e animada se fora, dando espaço a um Diaval vazio e tristonho que intrigava a todos em sua volta. Ninguém sabia as razões que o fizeram chegar aquele estado. Especulações e fofoquinhas logo apareceram e ganharam forças entre as fadas, cada uma contava diferentes versões sobre o que poderia ter acontecido com o fiel servo de Malévola. Os boatos iam desde "doença" até "será que ela amaldiçoou o coitado?"

Diaval, por sua vez, já estava tão cansado de ouvir aquelas conversas que optara por se esconder em cavernas escuras, para gastar o seu tempo agora livre e entediante. Malévola já não o requisitava, talvez nem lembrasse da existência dele. Depois da chegada das fadas trevosas, a mulher simplesmente havia o abandonado de vez; feito o que com certeza já desejava fazer havia um bom tempo.

Devia admitir que as dolorosas transformações de seu corpo metamorfo faziam até falta, tendo em conta que jazia um bom tempo que elas não aconteciam. Ele sentia saudades de sua forma de corvo, de urso, de cachorro até. Questionava-se se um dia, voltaria a vivenciar tudo aquilo de novo.

A cada transformação, uma nova descoberta. Em alguns corpos, seus ossos cresciam tanto a ponto de até doerem quando ele voltava ao normal, já em outros —como o de minhoquinha, que ele tivera o desprazer de experimentar quando fez uma raiva grande a sua senhora — não faziam tanto efeito assim.

Socando uma parede rochosa qualquer enquanto derramava lágrimas, o homem relembrou os bons —e maus —momentos que passara ao lado de sua ama. Todos eles pareciam distantes como as nuvens intocáveis dos céus quando se é um ser sem asas. Diaval mentalizava a memória do belo sorriso de sua senhora, e o como era bonito vê-la feliz —pois muito importante a fada se tornara para ele. Talvez importante até demais. 

Diaval, que perdera sua mamãe e irmãozinhos corvos em um massacre ainda muito jovem, cresceu sem perspectivas do que seria viver em família, em bando. Isso até Malévola aparecer e mudar tudo.

O homem ganhou não somente uma senhora, como também uma inconveniente amiga. Ao lado de Aurora, Malévola revirou a vida de Diaval; transformou seus horizontes e proporcionou a ele incríveis experiências que nunca seriam possíveis se ele não houvesse sido resgatado por ela naquele campo de trigos que fracassara roubar. 

Ele ganhara uma família.

Claro que como nenhuma família é perfeita vez ou outra, os três discutiam, —geralmente era Malévola que começava — ficavam sem se falar por um tempo, mas depois, tudo voltava ao normal. O que Diaval não conseguia entender era a razão pela qual a sua "família" agora o deixara de vez. Famílias deveriam durar para...para sempre, não é?

Não fora uma discussão. Ele até adoraria dizer que estava brigado com a menina Aurora ou com Malévola, sua ama, pois teria uma esperança de que logo voltariam a se falar, como sempre acontecia. O grande trio fantástico agora não passava de cinzas. E Diaval, por alguma razão que era difícil até para ele mesmo entender, se culpava.

Se ele tivesse realmente tido a oportunidade de pôr em prática aquele maldito pedido que Malévola lhe fizera, não estaria passando por nada disso. A mulher e Aurora seriam apenas lembranças passadas que ele esqueceria com o tempo. 

DesfechoOnde histórias criam vida. Descubra agora