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"Seus lábios infantis se esticaram em um deliberado e inocente sorriso. Malévola encarou aquele bebê em seus braços, uma criança tão pequena e frágil que gargalhava ao olhar para ela. Seus olhinhos azuis como os céus de uma bela manhã sem nuvens enfeitavam o seu rostinho redondo com covinhas nas bochechas.

A criança esticava seus bracinhos e tentava alcançar uma mecha solta do cabelo de Malévola para pô-la na boca. A trevosa riu e ao afastar seus fios castanhos para trás, longe das mãozinhas curiosas da bebê, exortou-a:

—Isso não é de comer, Aurora.

Como resposta, a bebê fez um beicinho, a menção de quem está prestes a chorar, mas esse choro nunca foi exprimido, pois Malévola o afogou em uma canção de ninar, e um balançar de seus braços.

'Eu te amo tanto
Você nem imagina o quanto
Mesmo sendo tão pequena
Ingênua, dependente e bebê

Você não faz a menor ideia
Do tanto que eu amo você.

Aurora, cresça como a relva
Só não precisa ser depressa 
O tempo voa, e eu sei disso
Porém não sei se estou preparada
Para o que ele proporcionará

Só o fato de seus olhos brilharem ao encontrarem os meus
Já é tudo que eu preciso para saber que o meu eu é seu
E se por alguma fatalidade, você desaparecer,
Eu não sei o que será da minha vida sem você'

A melodia era repetida pela voz nem tão suave da fada trevosa  e a criança loira aninhava-se contra seu peito, cerrando as pálpebras e dando bocejos que indicavam que ela se rendia ao cansaço. Aos poucos, sua respiração ficava mais lenta e sincronizada —até parecia que o coração de Malévola acompanhava os seus movimentos.

Sem parar de cantar, a mulher sentou-se ao chão, sentindo pinicar os seus pés na grama alta. Aconchegou Aurora um pouco mais, e em nenhum segundo, parou para observar qualquer outra coisa ao seu redor. Ela não notou que a lua brilhava com mais força aquela noite, deixando-a mais iluminada. Também ignorou as brisas que tocavam sua pele e remexiam as saias de seu vestido marrom. Tudo que Malévola mais amava estava ali, seguro, perto dela.

Até que Aurora sumiu.

Seu corpinho desapareceu, e deixou no lugar somente a manta branca que o embalava. Malévola deu um pulo, assustada, e jogou-a para longe.

—Aurora? —chamava ela, olhando de um lado para o outro, sem achar um vestígio sequer de sua menina. —Aurora? —gritou. De repente, seus olhos encheram-se de lágrimas, suas mãos foram de encontro as laterais de sua cabeça, e ela ajoelhou-se no chão, descrente. 

Havia perdido Aurora. Havia a perdido para sempre."

Até que ela acordou.

Com a respiração acelerada, o rosto coberto de suor, e uma queimação em seus pulsos e pescoço que parecia não ter fim, Malévola sentou-se. Observou a grade ao seu redor, e ao passo que sua mente voltava ao funcionamento normal, ela ia se lembrando da realidade em que de fato, estava inserida. 

Ela tinha sido presa —justamente —por ter... ela tinha matado a própria filha. Aquela que dizia mais amar nesse mundo, mesmo que não fosse com palavras. Aurora já não existia mais entre aqueles que respiram, e era por aquela razão que ela estava naquela cela.

Também devia ser por aquela razão que ela usava algemas de ferro que prendiam-lhe nas mãos, e uma outra no pescoço que ao seu ver, estava ali apenas para lhe machucar mesmo.

Não...ela não usava mais aquelas coisas. Para sua surpresa, estava livre delas.

Malévola semicerrou as sobrancelhas, ainda atônita. Olhou para os pulsos mais uma vez, e tocou na garganta. Nada. Os apetrechos de ferro haviam sido tirados. No lugar, deixaram marcas bem relevantes, que por acaso, ainda doíam. Quanto tempo ela dormira?

DesfechoOnde histórias criam vida. Descubra agora