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Moors, alguns meses antes...

Por mais que fosse um dia quente e sem sinais de tempestades vindouras, Diaval devia admitir que estava com um pouco de calafrios, como se geladas brisas lhe tocassem a pele humana. Essa era uma das milhares de razões que o faziam odiar tanto aquele corpo imbecil. Cheio de falhas, sentimentos confusos e sentidos aguçados, a forma humana muito conturbado conseguia lhe deixar.

Malévola enviara-lhe uma carta, na qual dizia que desejava encontrar-se com ele no mesmo lugar de sempre -o lago cristalino que dividia a floresta encantada em duas partes -afirmando que precisava ter uma conversa séria. Já não era tempo! Diaval, por mais que estivesse com medo do que sua ama tinha para lhe contar, e fosse talvez a razão pela qual ele tremia de pavor, estava também decidido a aclamar uma transformação imediata em sua forma natural de corvo, pois desde que Aurora casara-se, ele ficara preso aquela forma humana ridícula, e fora esquecido por sua senhora.

Já fazia alguns meses que eles não se viam. Não muitos, Diaval não se dera ao trabalho de contar, mas foram um bom período de tempo. Claro que ele conseguia observar a sua ama de relance vez ou outra conversando com grupos de sua própria espécie que era agora, nova habitante dos Moors. O homem ave até acenava com a mão quando Malévola fazia o favor de levantar o olhar em sua direção -e sempre como resposta, recebia um sorriso amarelo por parte dela.

Seria bom reencontrá-la novamente para poderem conversarem de verdade. Quer dizer, Diaval mal podia esperar. Desde que as trevosas chegaram, ele não pôde mais desfrutar de tempo ao lado de sua ama da mesma maneira que costumava fazê-lo. Ficara sozinho. No começo, até que ele compreendeu que ela estava ocupada demais tentando adaptar as trevosas em seu mais novo lar para ficar de papinhos por aí, mas com o passar dos dias, Diaval foi ficando afobado, receoso por notícias e com saudades da companhia desagradável da fada de língua afiada e coração de pedra a qual chamava de senhora.

Tudo bem que ele sabia que Malévola passava ótima, obrigado, pois podia avistá-la com frequência voando pelos céus, andando para cá e para lá, sempre com Borra, Zufar, Hannah ou outra fada das trevas ao seu lado. Porém não era a mesma coisa. Diaval queria se aproximar outra vez, jogar palavras fora, insultá-la de novo.

Ele mal podia esperar para que Malévola aparecesse.

-Arabela, só me faz um favor... -o homem ouviu sua voz dizendo, ao passo que ele andava ansioso de um lado para o outro, fazendo uma marca de caminho na grama com suas passadas. -Quando Malévola chegar, quero ficar a sós com ela, se importa? Assunto particular.

-Você nem ao menos sabe que assunto ela vai trazer. -murmurou uma chateada Arabela sentada na sombrinha, em cima de um tronco de árvore. -Como pode saber então que é particular?

Argh. Arabela conseguia ser bem chatinha às vezes. Diaval não ia muito com a cara dela. Nunca fora. Ele não entendera o porquê Malévola o apresentara aquela mocinha no casamento de Aurora assim, tão de repente. Ela conseguia ser tão estranha quanto a ama dele -e insuportável também. Diaval desconfiava que Malévola havia a colocado ao lado dele de propósito por alguma razão, mas tudo que vinha na mente dele era bem ruim. As respostas seriam "tentar amenizar a ausência dela com outra pessoa" até "dá-lo em casamento para que ele pudesse ser despachado de sua vida de vez".

-Só faz o que eu tô pedindo. -Diaval gemeu em uma careta. Revirando os olhos, a mocinha a sua frente de cabelos castanhos longos assentiu.

Ok, talvez ela estivesse apenas cansada, coitada. O homem ave deveria admitir que Arabela passara os últimos meses tentando com muita avidez tornar-se sua amiga. Só que ela não era lá tão simpática. Mordera suas canelas pelo menos duas vezes, e seguia-o o dia inteiro, como se ele fosse alguma espécie de jantar que solta cheiro e atrai pessoas esfomeadas.

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