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Com a chegada do outono, as paisagens de Ulstead foram cobertas pelos lindos tons alaranjados nos céus e na flora. Sendo uma das estações favoritas das pessoas daquele reino, perdendo apenas para a primavera, era comum se ouvir gargalhadas nas ruas de crianças pisando nas folhas caídas pelo chão, e ver adultos contentes com o clima nem tão frio como o inverno, ou escaldante como o verão. O outono era uma estação feliz.

Entretanto, Aurora devia admitir que jamais estivera tão deprimida, mesmo as circunstâncias sendo das melhores quando o assunto era clima. Ela se via ocupada com chatas tarefas diárias da realeza, e rodeada por autoridades egoístas e prepotentes que não perdiam uma oportunidade de subestimá-la.

Com a chuvarada de comentários maldosos, não demorou muito para os criados e outras pessoas do palácio começarem a encarar Aurora com maus olhos. A educação dela era colocada em dúvida pelos nobres a todo instante:

"É até pomposa, mas criada por quem foi, será mesmo que tem uma mente saudável?" cochichavam pelos corredores.

Não era segredo para ninguém que Aurora tinha uma mãe diferente do comum. Fora criada por uma criatura nada querida entre os humanos. Alguns deles acreditavam que por essa razão, a princesa poderia a qualquer momento, iniciar uma rebelião com a sua madrinha excêntrica e destruir a cidade.

Aurora tinha uma sensação amargurante de que não pertencia aquele palácio, por mais que Philip a amasse e lembrasse constantemente que aquela era a sua casa também. Ela sentia falta da sombra de Malévola lhe dando proteção, mas precisava convencer a si mesma que já não era mais nenhuma criança que se agarra nas pernas da mãe quando tem de lidar problemas. A menina crescera —e Malévola, pela sua ausência, já havia entendido isso.

—Já faz um ano —murmurou a garota para si mesma, olhando em direção ao espelho de sua penteadeira, não exatamente contemplando o próprio reflexo. —Um ano sem notícias. —continuou a falar. Aproveitava os raros momentos que ficava sozinha para pensar e descansar a mente de tudo que acontecia ao seu redor. Esquecer um pouco a pressão posta sobre suas costas sobre o quão confiável era a sua sanidade mental.

—Alteza? —sibilou uma serva, abrindo devagar a porta do quarto —A senhora tem correspondências.

Arregalando os olhos, Aurora levantou-se de seu banquinho acolchoado e pegou os envelopes das mãos da jovem com pressa.

—Obrigada —disse educadamente, dispensando a moça. Ao sentar-se em sua cama, a garota começou a abrir os envelopes com ansiedade, esperando que em algum deles, tivesse novidades sobre os Moors, ou uma carta dela.

Aurora relembrou com desgosto as muitas mensagens que enviou para a madrinha durante aquele um ano após seu casamento —nenhuma delas fora respondida. Nem mesmo Diaval a escrevera. Será que ele ficara preso em sua forma de corvo o tempo todo? Ele poderia dar uma passada no palácio vez ou outra para dar o ar da graça se esse fosse o caso, não?

Ou será que ele não escrevera, porque assim como Malévola, estava tentando deixar Aurora caminhar sozinha?

Por que eles insistiam em fingir que a menina não existia mais? Por que usavam desse método tão doloroso para ajudá-la a finalmente crescer?

Nada, Aurora percebeu assim que rasgou todos os selos das cartas que lhe foram enviadas. Não havia nada ali —de novo.

"—Você vai voltar? — perguntou Aurora para a sua fada madrinha na última vez que a vira. —Vai vir de novo me visitar, não é? —reforçou sua pergunta.

Os olhos de Malévola brilharam, estonteantes como sempre. Diaval, bem ao lado dela, virou várias vezes o rosto, ora olhando para a senhora, ora para a garota, ansioso pela resposta que a sua ama daria.

DesfechoOnde histórias criam vida. Descubra agora