Aborto🦋

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— Capítulo 13

                              •••

Não conseguimos dormir de tão apreensivas com o estado da Camila. O quarto estava em um clima fúnebre, e a sensação de que nosso último momento com ela foi uma despedida, nos corroía lentamente por dentro.

Olhamos para a sua cama arrumada e vazia, nos segurando para não chorarmos e engolindo em seco.
Suas pantufas felpudas deixadas no tapete, o pequeno abajur sobre a cômoda rabiscada de batom com seu nome, o unicórnio de pelúcia (presente da sua irmã caçula) entre os travesseiros, eram pequenas lembranças do seu jeito peculiar de ser.
Já era madrugada, quando a Morgana entrou com sua velha fisionomia sepulcral e sua voz cava e tenebrosa:

— Trago boas notícias da amiguinha de vocês!
Ela está bem e retornará assim que despertar do seu “sono da beleza”.

Um alívio imenso por ver que aquele ‘suspense’ calamitoso havia acabado, nos tomou conta e algo dizia que isso a incomodava incontestavelmente, através da sua cara fechada, que manteve perante nossa alegria e comemoração por nossa amiga ainda estar viva.

— Minha intenção não foi arrancar esses sorrisinhos irritantes de vocês. Guardem-os! — Ordenou, com a antipatia reinando.

— Senhorita Morgana, o que ela tinha? Ultimamente se queixava muito de náuseas e tonturas. — Perguntou a Yuna, incrédula.

— Não era doença nenhuma. Aquela irresponsável só esqueceu de tomar as pílulas que dou e por consequência disso engravidou.
Porém, dei-lhe um remedinho eficaz que a fez ter um abordo instantâneo.

— Oh meu Deus! Como pôde fazer isso? — Indaguei boquiaberta, a encarando com enorme desprezo.

— Aqui é um bordel, não uma maternidade, querida!
Qualquer coisa que atrapalhe na tarefa de qualquer uma de vocês em faturarem com esses corpinhos esbeltos, será definitivamente descartado.
Nenhum cliente assumirá o filho indesejado que fez em uma puta. Fiquem cientes disso!

— Sua megera! Eu te odeio e na primeira oportunidade que tiver, farei pagar por cada detalhe dessas brutalidades que está cometendo. — Ameacei inconformada, apontando o dedo.

— Ui, que medo! Se contente, sua pirralha abusada ou posso abrir uma exceção em deixar que te engravidem para ter o prazer de vender o seu bastardinho a um pedófilo por míseros centavos. O que me diz?

— Vai pro inferno! — Exclamei em tom imperceptível.

— Agora vão dormir, pois amanhã terão serviços!
Ah, Jéssica! Esqueci de te dar um recadinho:
não pense que só porque está com a boceta comprometida que tirará férias, ok? Trabalhará com a boca ou talvez com o buraco traseiro.
É melhor já ir praticando, fofa! — Me lançou uma espécie de vibrador elétrico em formato de pênis e saiu saltitando.

Eu estava em êxtase por me ver sobre pose daquela mulher horrenda e cruel e não poder fazer nada, só obedecer. Sentia um aperto no coração pela situação da Camila em ter gerado um ser inocente sem  preparação alguma e por ser obrigada a tira-lo do seu ventre sem ao menos saber que ele estava lá e sem sequer conhecê-lo.

— Antes esse bebê, do que ela! Foi melhor assim. A Camila ainda é muito jovem e, além disso, nem saberia ao certo quem seria o pai dessa criança. Teve relações com diversos homens, todos eles uns canalhas! — Narrou a Suellen.

— De qualquer forma, a Morgana não tinha o direito de fazer essa banalidade com ela.
Quem garante que não pegará uma hemorragia? — Me exaltei.

— Será que é tão difícil de entender que estamos num território sem lei e justiça, onde o respeito e a empatia passam longe?
Somos como manequins para ela, postas em uma ‘vitrine’ para atrair clientes. Portanto, ela faz o que tiver vontade e que dane-se o nosso psicológico emocional, a nossa condição física e o nosso direito de livre arbítrio.

Antes que eu falasse mais alguma coisa, a Camila apareceu no quarto com o semblante funesto, os olhos mórbidos e sua camisola surja de sangue.

— Eles mataram o meu nenê! — Falou em choque, prostando-se de joelhos e caindo em um choro profundo e envolvente.
Rapidamente corremos para abraça-la e lhe consolamos como pudemos.

                               ***

No dia seguinte, fomos acordadas com o barulho insuportável da buzina de um carro vindo do lado de fora.

— O que é isso? — Perguntei, tapando os ouvidos.

— Certamente, é aquele padre idiota querendo gozar logo cedo! Ele sempre aparece nesse horário e com essa mesma entrada triunfal.  — Explicou a Larissa, se espreguiçando.

— Padre? Ele errou o caminho da igreja? — ironizei.

— Exatamente. Esse farsante é o cliente número 1 da Morgana. Costuma se divertir com prostitutas e esconde os seus pecados carnais atrás da bíblia.

— Minha nossa, esse mundo está mesmo perdido! Onde já se viu um ministro religioso, se aventurando em um cabaré?

— Conforme os dias que passará aqui, se surpreenderá com muita coisa, Jessy!

— Verdade. Mês passado, por exemplo, atendi a um policial bruto e desonesto e encontrei na sua carteira a foto de duas crianças ao lado de uma mulher.
Provavelmente era a família do cafajeste. — Contou a Yuna.

— Qual de nós iremos encarar esse padre sacripanta? — Questionei com o estômago embrulhando.
Entretanto, a resposta para minha interrogação foi ligeiramente efetuada:

— Larissa, você tem dez minutos para se arrumar e subir ao quarto doze. Seu cliente te aguarda! — Avisou o Lúcio.

— Droga! Estava cruzando os dedos para esses desgraçados não me escolherem.
Justo hoje que estou de unhas feitas. — Resmungou ela, fazendo biquinho.

— O que isso tem a ver?

— Sério que ainda pergunta, Yuna? Esse padre filho da puta não dispensa um “fio terra” e sou obrigada a enterrar o meu lindo dedinho naquele traseiro imundo.

— Urgh que nojo!!! — Exclamei com o lábio superior puxado para cima.

— Pois é. Mas não tenho escolha! Rezem para eu voltar sem nenhum trauma de lá.

— Que drama! Até parece ser a primeira vez que faz isso. É só ir lá e tacar o indicador no rabo daquele velho infame, simples. — Disse a Suellen.

— A é? Então, porque você não vai lá e faz?

— Porque a única que tem os dedos mágicos aqui, é você!
Suponho ser por isso que ele sempre te escolhe. Que habilidade hein? Precisa me ensinar uns truques. — Sacaneou.

— Não fode, tá? — Exibiu seu dedo do meio.

Entre brincadeiras e zoações, me deitei ao lado da Camila, que ainda estava melancólica e desolada sem mencionar uma palavra.

— Você ficará bem, Lary! É só uma questão de tempo. — Passei a mão em seus cabelos.

— Estou começando a acreditar que no final das contas todas morreremos aqui.
Esse inferno piora cada dia mais e até agora não há sinal de nenhum anjo enviado do céu para nos libertar desse cárcere privado.

— Não adianta se desesperar. A Bianca, minha irmã costumava dizer que toda tempestade é passageira. Aguenta firme!

— Jessy, será que nunca mais poderei ter filhos por conta desse aborto? — Perguntou com os olhos marejados.

— Claro que terá! E serão muitos, todos eles lindos e fortes igual você. — Reanimei.

Continua...

Me chame de puta! ( CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora