Novas amizades🦋

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- Capítulo 5

                                •••

Eu não parava de pensar no desespero e na preocupação do meu pai, da minha irmã e do meu namorado quando notassem o meu desaparecimento e questionassem o meu paradeiro.
Provavelmente, espalhariam cartazes por toda cidade e sairiam em uma busca incansável até me encontrarem, pensei angustiada.

Fiquei imóvel e isolada, sentada no canto de um armário que havia naquele quarto pequeno, com cinco camas, uma penteadeira, banheiro e apenas uma claraboia envidraçada no teto que permitia a entrada da luz e a visão das nuvens no céu.

— Oi! Você já está melhor? Quer beber algo? Temos refrigerante. Qual é o seu nome? — Disparou gentilmente uma menina coreana meiga, de cabelos escuros longos e com uma franja.

Porém, não obteve respostas. Permaneci muda, a encarando anestesiada como se ela fosse algum alienígena ou coisa de outro mundo.

— Não precisa ter medo, linda! Você é americana, né? Te trouxeram de avião também? — Insistiu num diálogo amigável, deixando à mostra belas covinhas entre as bochechas quando sorria.

— Para de ser tagarela, Yuna! A garota não se sente confortável para falar agora. Não ver que a ficha dela não caiu ainda?
Tudo é novidade para ela. Então ver se fica quieta e freia todas essas interrogações, sua tonta! — Reclamou uma morena baixinha de piercings nos lábios e cabelos cacheados.

— Só estou tentando interagir com ela, sua impertinente! — Vociferou.

— Mas está parecendo uma psicóloga deste jeito. Larga de ser mala, garota! — Repreendeu.

— Camila e Yuna parem de brigar! Vão assusta-la ainda mais. Contenham-se! —Interviu uma ruivinha de olhos castanhos.
— Quando ela sentir vontade de falar, ela falará. Tenham mais paciência!

— Taí uma coisa que eu não tenho. Deixa eu tentar de um jeito menos pacífico:
Olá! O gato comeu a sua língua, branquela azeda? — Insultou uma loirinha marrenta e antipática com cara de poucos amigos.

— Que grosseria desnecessária, Suellen! Não seja rabugenta. Tenha modos!

— Sinto muito Larissa, mas isso é a última coisa que eu consigo ter nesse cômodo apertado e minúsculo. Ainda mais, quando temos que dividi-lo com uma patricinha de nariz em pé que não aceita que estamos no mesmo barco, sacou? — Exclamou frustrada, enquanto dobrava suas roupas.

— Este é um comportamento previsível e que inclusive todas nós tivemos quando pusemos os pés aqui pela primeira vez. Seja sensível pelo menos! — Retrucou a tal Larissa.

— Me poupe desse sermão ridículo. Já que é tão boa nisso, porque não vai dar suas lições de moral no tarado no Lúcio que vive se masturbando ao nos espionar trocando de roupas pela fechadura da porta?

Eu sentia vontade de vomitar, mesmo com o estômago vazio.
Todas aquelas informações e discussões me desgastaram completamente.
O meu dia estava sendo o pior dos piores.

— Não liga para ela, tá? Entendo que você não tenha culpa de ficar assim.
A Suellen age dessa forma porque se emburrece facilmente com qualquer coisa, mas é uma boa pessoa. Logo te pedirá desculpas. — Me acalmou, demonstrando ser uma garota prestativa e solidária.

Eu não tinha forças para pronunciar um monossílabo sequer. Continuei com os dentes trancados e chorando em soluços por longas horas, até reparar que a noite se apresentou de imediato.

— Toma! Essa é minha, mas pode usar se quiser. Tá limpinha! — Disse a Yuna me dando uma toalha, imaginando que eu cogitava em tomar um banho com urgência.

Esforcei-me para fazer algum gesto de agradecimento, pois as palavras não saíam da minha boca.

— Sabe, queria poder te confortar dizendo que tudo ficará bem. Mas parece que...

— ... Estamos abandonadas e esquecidas no mundo, onde temos que lutar para sobreviver. Então pode choramingar á vontade. Não serei hipócrita em dizer que vai adiantar muito. — Interrompeu novamente a Suellen, atraindo supostamente outra briga.

— Ignore essa mal-humorada!
Você tem olhos lindos, sabia? Seria um bom começo se pudesse me dizer ao menos como se chama.

— Jé-Jéssica! — Balbuciei depois de horas calada.

— Belo nome! Significa observadora.
Quer se lavar Jéssica?
Não que esteja com um mau cheiro. Por favor, não interprete desta forma, tá? Até dar para sentir o aroma delicioso de morango das suas madeixas. Mas talvez um banho te faça relaxar!
Só não temos um chuveiro elétrico, como deve está acostumada. — Explicou, imaginando a vida de rainha que eu deveria ter.

Em outra ocasião, eu adoraria conhecê-la antes. Tinha certeza de que seríamos ótimas amigas.
Ela possuía um jeitinho peculiar de se expressar muito fofo e engraçado. Ajudou-me a se levantar e também me emprestou um pijama de algodão estampado, idêntico ao que eu usava em casa.
Escovou os meus cabelos cantando uma música coreana, enquanto eu devorava um sanduíche de queijo e um copo imenso de vitamina de abacate.
As outras meninas faziam suas unhas do outro lado do quarto e a Suellen me fitava deitada em sua cama com uma feição nada agradável.

— Pelo visto, ela não gostou mesmo de mim, né? — Comentei sussurrando de boca cheia.

— Não leve a mal. Ela é meio amarga porque tem saudades dos pais e julga que desistiram de procurá-la. Daí desconta sua raiva nos outros.
Toda noite vivi tendo pesadelos e dando altos gritos. Acreditamos que é o trauma da forma brutal ao qual foi trazida para cá.
Ela contou que a enganaram com uma falsa proposta de emprego como modelo fotográfica. Quando tomou consciência de que a contratação era uma cilada, já era tarde. Eles a violentaram antes de sequestra-la.

— Que horrível! — Exclamei querendo vomitar.
Há quanto tempo estão aqui? — Perguntei devidamente comovida.

— Há cerca de um ano.
Eu e a Camila fomos as primeiras a chegarmos.
A princípio, éramos mais de vinte. A maioria foi transferida para outros países e só sobraram nós quatro.

— Sabe aonde estamos e quem é aquela mulher asquerosa e sádica?

— No Afeganistão, e ela se chama Morgana, a cafetina.

— Impossível! Eu sou dos Estados Unidos. Como vir parar aqui da noite para o dia? — Arregalei os olhos incrédula!

— Provavelmente te doparam e passou o caminho inteiro apagada igual todas nós. Não foi a toa que acordou faminta e exausta.
Quando me arrastaram da Coreia do Sul, despertei ainda pior, com a barriga roncando e sem conseguir me levantar como se tivesse desaprendido a andar, acredita?

— Tem muitos desses criminosos rondando por aí? — Perguntei.

— Sim, o tráfico humano, principalmente o de mulheres é mundial. Eles lucram muito nesta indústria da prostituição forçada e nos exploram sem dor e compaixão. Nunca ouviu falar disso?

— Nã- não. —Gaguejei, balançando a cabeça.

— Sei que tem muitas perguntas para fazer, mas não quer descansar um pouco? Veio de muito longe e pode ficar com olheiras horríveis amanhã.

— Tem razão! — Assentir.

— Boa noite, Jessy! — Bocejou.

— Yuna? Posso só perguntar mais uma coisa?
De onde elas vieram? — Apontei com os olhos para as meninas.

— A Larissa é da Bolívia, a Camila da Argentina e a Suellen da Califórnia.

— Entendi. Boa noite!

Deitei-me numa cama ao lado da sua, com os pensamentos totalmente voltados ao suposto sofrimento que eu teria de enfrentar durante o tempo que vivesse ali.
Assim como eu, aquelas meninas foram arrastadas de longe e possivelmente tiveram seus sonhos roubados no dia que acordaram naquele inferno.

Continua...

Me chame de puta! ( CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora