I'll Be There

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Natalie

Fico rodando de carro pela cidade e coloco no GPS um hotel para passar a noite. No caminho, costeando o Rio Senna, passo pelo Museu do Louvre e estaciono.
Há poucas horas estava ali dentro, com ele, pensando na sorte que tinha em tê-lo comigo. É muito difícil encontrar alguém que entenda a gente e nos aceite de verdade, sem querer nos mudar ou esperar algo que não somos. E tinha certeza que havia encontrado esse alguém, um homem que achei ser especial, não pela fama ou prestígio que tem, muito menos pelo dinheiro, mas pelo coração. Nem sei como me enganei desse jeito, como cheguei nesse ponto. Respiro fundo e acelero o carro, apesar de ser tarde, algumas pessoas andam pelas ruas, vou indo devagar olhando.

Mais adiante, um casal sentado no entorno do chafariz da Praça da Concórdia me faz parar outra vez. Ver o que eles têm e que está estampado nos abraços e beijos que dão, me faz pensar em tudo que queria, achei que tinha, e que na verdade nunca terei.
Desço do carro e fico andando, olho para o Obelisco iluminado pelos postes em volta e sento no chão rente à grade de proteção. Olho para o céu nublado, sem estrelas brilhando, como meu coração.

Bem aqui, nessa praça, muito sangue foi derramado durante a Revolução Francesa, o rei que criou o Palácio de Versalhes foi executado aqui, junto com a esposa, na guilhotina que ficou marcada por decapitar milhares de pessoas.
Queria vir aqui com ele, mas um lugar aberto assim não é dos melhores para ele frequentar comigo, e eu entendia isso, mesmo. Queria conversar com ele sobre história desse lugar, falar sobre os séculos que pairam por aqui, seja através desse Obelisco egípcio de mais de 3.000 anos ou das guerras que esse chão já sentiu, coisas que com certeza ele sabe e que adoraria debater comigo, sentir o que se sente ao vir aqui. Ele me entenderia e eu veria nos seus olhos o quanto também gosta de viajar pela história através do lugares, dos objetos. Isso nunca vai acontecer.

Alguns trovões começam, relâmpagos, até isso mudou rápido assim. De tarde um sol maravilhoso e agora um temporal? O que está acontecendo com o mundo que nada pode ficar como está por muito tempo?
Levanto sentindo os primeiros pingos de chuva caírem no meu rosto, dou alguns passos, mas paro. Preciso sentir algo que não seja desolação, decepção, coração partido. A chuva cai mais forte e escorre por meu rosto junto com minhas lágrima. Ando em direção ao carro e o casal que estava sentado vai correndo ao longe, de mãos dadas, tentando não deixar a água lavar o amor deles.

Entro no carro e sigo até o hotel. Peço um quarto e faço meu registro para a noite, amanhã cedo vou embarcar de volta para NY.
Subo até um dos últimos andares e entro no quarto, vou direto para o banheiro e lavo meu rosto. Meu vestido está grudado no corpo pela chuva, mas pouco me importa. Não tenho vontade sequer de tomar um banho quente nesse banheiro enorme e mais decorado e confortável do que meu antigo apartamento em LA. Sento na beira da cama, pego o telefone na cabeceira e disco o número de Ariel depois de servir uma dose de whisky.

-Alô? Ela atende em poucos toques.

-Sou eu. Digo mexendo o copo e misturando a bebida ao gelo que vai derretendo.

-Ai, graças a Deus, Natalie! Onde você está?

-Ele está aí com você?

-Sim...

-Então vá para o quarto, não quero que escute nossa conversa.

Falo e ela pede para esperar, fica alguns segundos em silêncio e ouço os passos que ela dá corredor à fora e o som de uma porta fechar.

-Pronto, pode falar, miga. Onde você está? Pelo amor de Deus, estava morta de preocupação! Você está bem?

-Estou bem, não fique preocupada. Preciso de um favor, preciso que traga meu passaporte que ficou na mesa do quarto e minha mala. Só joga minhas coisas para dentro dela, não precisa arrumar nada. Você pode fazer isso? Não diga nada a ele, apenas traga direto para mim, por favor.
Falo e passo o endereço do hotel dizendo que vou voltar para NY amanhã cedo, mas que ela não precisa vir comigo, que é para aproveitar o resto da viagem com Lionel, não quero atrapalhar seus planos.

-Amiga, você não está sabendo da história toda, ele...

Corto ela assim que começa a falar dele e digo que já ouvi o suficiente sobre isso, ouvi as palavras saírem da boca dele, ninguém me contou, eu ouvi, era a voz dele e ele sequer negou isso, afinal, não tinha como negar.

-Mas Nat, ele...

-Ariel, por favor, estou te pedindo. Apenas faça o que pedi, por favor!

Digo suspirando fundo e cansada demais para bater boca com ela. Só quero encher a cara e me deitar. Ela finalmente concorda e diz que daqui a pouco chega aqui com minhas coisas.

Desligo e paro na janela, abro o vidro e fico ouvindo o barulho da chuva e vendo os raios cortarem o céu. Vou até o aparador com as bebidas e ia servir mais uma dose, mas resolvo pegar a garrafa inteira. Levo até a janela e sento numa poltrona para assistir o choro da natureza. Pelo menos está combinando comigo.

Tiro um cigarro de dentro da bolsa, ainda bem que isso veio comigo e não deixei lá. Acendo o cigarro enquanto levanto para apagar a luz do quarto. Volto à janela e fico olhando os clarões dos relâmpagos iluminarem o céu e o quarto por alguns segundos.

Olho para o lado e vejo uma vitrola, saudades da casa de mamãe, ela tinha uma dessas, não chegava nem aos pés dessa aqui, era uma simples, mas que ela adorava.
Naquela vitrola ouvi minhas primeiras músicas, ela tinha discos do Jackson 5, tinha discos que guardava dos anos 60 e 70 também, e ficava brava quando eu mexia e arranhava.
Vou até ali e num armário embaixo tem alguns discos, vou passando o dedo nas capas e por ironia do destino encontro o álbum Third que se ilumina num relâmpago.
Lembro bem qual é a primeira faixa. Coloco para tocar e começa I'll Be There na voz do Michael criança.
Sento de novo em frente à janela com minha garrafa e meu cigarro já pela metade. O disco toca todo e coloco para recomeçar, acendendo mais uma cigarro.
Dou uma tragada e ouço batidas na porta. Ainda bem, ela chegou. Levanto e vou até lá abrir a porta.

-Michael?!


Continua...

Uma perfeita obra de arteOnde histórias criam vida. Descubra agora