Uma perfeita obra de arte

Qual a saída?

Natalie dorme como um anjo ao meu lado, mas não consigo pregar o olho. Fico deitado sem me mexer para não a acordar e sua expressão é tão serena que quase me tranquiliza.
Antes de dormir conversamos bastante, me contou sobre a última viagem a NY, ela tem ido quase todos os finais de semana, vai na sexta e volta domingo. Saiu do bar para poder ter mais tempo para pintar e estudar. As coisas estão acontecendo para ela, e isso me deixa tão feliz, ela trabalha tanto e já passou por tanto sufoco, mas nunca desistiu, admiro tanto essa força que ela tem.

Me viro para o outro lado, devagar, e pego meu celular. Mando uma mensagem para que meu assistente marque uma reunião de urgência para amanhã de manhã com toda minha equipe, preciso resolver essa situação, não dá mais para ficarmos assim escondidos, não posso correr o risco de magoar seu coração de novo, jamais me perdoaria, ela não merece passar pelo que passou ontem. Largo o celular de volta e me viro para continuar admirando seu sono, mas acabo me mexendo mais do que deveria e ela abre os olhos.

-Não conseguiu dormir, meu amor?

-Shii... não se preocupe comigo, vem cá... fecha seus olhos, minha linda, pode voltar para seus sonhos.

Digo trazendo-a para bem perto de mim e a envolvo nos braços, ela deita a cabeça em meu braço, de frente para mim e pega no sono em seguida. Sinto sua respiração contra meu peito e fico por um bom tempo fazendo cafuné na sua cabeça. Por que o mundo precisa complicar tanto o que é tão simples?

Manhã seguinte

Saímos bem cedo, deixo Natalie em casa e sigo para o escritório que administra minha carreira. Chego e todos já estão esperando, meu assistente, advogadas, empresário, publicitário, chamei todos que interessam para o assunto que preciso tratar.

-Bom dia, pessoal.

Entro e sento na ponta da grande mesa da sala de reuniões do escritório que fica em um dos andares mais altos do prédio, logo atrás de mim uma janela enorme que dá visão para o centro de LA.
Todos me olham atentos, mas preocupados, pois não sabem do que se trata e não costumo convocar reuniões assim de uma hora para outra, ainda mais fora de períodos de shows ou lançamentos.

-Bom, o assunto que tenho para tratar é delicado, por isso chamei todos vocês. Vou ser direto e comunicar uma decisão pessoal que tomei. Há alguns meses conheci uma mulher, não quero entrar em detalhes pessoais, mas o fato é que vou assumir publicamente meu relacionamento com ela.

Eles seguem me olhando, sabem que se os chamei aqui é porque tem um grande porém por vir.

-Desculpe, Sr. Jackson, mas precisamos saber mais detalhes, infelizmente detalhes pessoais, o senhor sabe que para podermos lidar com a situação da melhor forma, precisamos estar a par de tudo.

-Sim, infelizmente eu sei. Bem, ela é uma ótima pessoa, não é conhecida, não é do ramo da música. É uma artista plástica, estudante e tem 20 anos de idade.

-20 anos?

Stevan, que é o chefe da equipe publicitária, questiona assim que ouve a idade, e o burburinho se inicia, bem como imaginei. Levanto e ando até um aparador perto da janela, pego um café e deixo eles se acalmarem.

-Espero que eu tenha sido claro, não estou aqui para pedir o aconselhamento de vocês, estou aqui comunicando minha decisão para que tomem as providências que cada um precisar tomar para lidar com a situação.

-Mas Sr. Jackson, isso vai ser um desastre, todo nosso trabalho dos últimos anos vai por água abaixo, a mídia finalmente tem sido mais respeitosa com o senhor, conseguimos fazer cessar certos assuntos polêmicos através de muitos processos judiciais indenizatórios e...

-Eu sei, eu sei de tudo isso, Stevan.

-Senhor, sou obrigada a dizer que pela lei estadual da Califórnia, se ela tem 20 anos, ainda é considerada menor de idade para diversos atos da vida civil. Nada muito grave, pode até casar, se quiser, já que já tem mais de 18 anos, mas não pode nem consumir bebidas alcóolicas, por exemplo. Ela trabalha com o que, senhor?

-Até pouco tempo trabalhava em um bar aqui no centro, mas atualmente expõe seus quadros em uma renomada galeria em NY, trabalha como professora particular da minha filha e estuda na UCLA.

Me sento e narro a vida de Natalie, por mais que não gostaria de expor sobre sua vida, isso é inevitável a esse ponto.

-E ela está ciente de tudo que vai acontecer se vocês trouxerem o relacionamento a público?

-Sim, mas quando eu sair daqui vou conversar com ela para que ela tome a decisão final se realmente quer essa exposição. Porém, adianto que ela não vai se opor, não queremos mais passar por certas situações que vêm acontecendo e que estão nos fazendo muito mal. Ela não me pediu para fazer isso, mas sei que se partir de mim ela vai aceitar, no fundo é o que ela quer e merece.

-Mas senhor, apenas de pensar poucos minutos sobre o assunto que está nos trazendo aqui, já posso prever diversas formas de como a imprensa vai agredi-lo.

Stevan fala e é interrompido pela advogada principal, Roberta.

-Sim, juridicamente, do aspecto criminal, não há nenhum impedimento para o senhor namorar uma jovem dessa idade, mas sou obrigada a concordar que moralmente a imprensa vai ataca-lo e, desculpe tocar nesse assunto, mas as acusações que o senhor já enfrentou virão à tona novamente, Sr. Jackson.

-Sim, isso é certo que vai acontecer. Olha, não estou fazendo nenhum julgamento, o senhor é livre para namorar quem quiser, obviamente. Mas como seu empresário, também sou obrigado a concordar com eles, isso será um inferno se vier a público.

-Além disso, se não me falha a memória, o contrato de This Is It ainda está vigente, tenho que verificar, mas acredito que até 2012 o senhor tem obrigações contratuais que o impedem de agir de forma que a imprensa possa reagir negativamente em relação à sua imagem pública.

A advogada acrescenta e respiro fundo.

-Mas não tenho controle sobre o que a imprensa fala ou deixa de falar, essa cláusula é absurda!

Levanto novamente começando a me irritar com tantas oposições.

-Já discutimos esse contrato diversas vezes, mas infelizmente é o que é, e o senhor aceitou a cláusula em 2009 para poder seguir com a produção da turnê . Enquanto estiver vigente, está vinculado a isso. E me desculpe, Sr. Jackson, por mais que pessoalmente eu discorde do que vou dizer, mas profissionalmente o que o senhor está nos dizendo que quer fazer vai quebrar essa cláusula.

Sento novamente e apoio o rosto entre as mãos depois de seguir ouvindo a lista de oposições que eles seguem elencando, não tem um que diga que assumir publicamente meu relacionamento com Natalie não afetaria drasticamente minha carreira e minha vida pessoal.
Mas sou o único que vê que seguir assim, escondendo algo que é puro e verdadeiro, também vai me destruir, e pior, vai destruir pouco a pouco a mulher que amo e que é a última pessoa que quero que sofra por minha causa?

A reunião se alonga e a cada minuto meu coração vai se despedaçando, vou vendo que não tenho saída. Ser uma pessoa pública significa não ter o domínio total de suas próprias vontades, estou tão cansado disso.

-Bom, Sr. Jackson, a decisão final é do senhor e vamos fazer o que o senhor mandar, mas é preciso que tenha a real noção da proporção que isso vai tomar assim que sair a primeira notícia.
O amor de vocês não vai terminar se o relacionamento se mantiver assim como está, mas posso afirmar que toda o domínio da opinião pública e da imprensa, que conseguimos reaver depois de muita luta, vai sair do controle em um piscar de olhos. Vão ligar o senhor até mesmo com o fato de que o senhor sabia que ela trabalhava em um bar, que consumia bebidas alcóolicas, mesmo sendo menor de 21 anos, e não fez nada para impedir. E isso seria o menor dos problemas que teríamos que lidar. Vão usar até o fato de ela trabalhar para o senhor, vão dizer que é um caso de assédio sexual contra uma menor de idade.

Não consigo mais ouvir nada disso, saio da sala atordoado e sem conseguir raciocinar direito, Bill me acompanha andando apressado atrás de mim até o estacionamento e entramos no carro.

-Para casa, Sr. Jackson?

-Não, Bill. Apenas fique rodando pela cidade, preciso pensar.

Continua...