Incertezas

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Eu não era uma boa pessoa para saber distinguir minhas próprias emoções, desde a mais simples a mais complexa. Meu interior era incapaz de atingir qualquer nível de maturidade para me dar esse tipo de privilégio.

Com a mais pura certeza do mundo, eu teria me saído bem sendo parte da mobília do meu apartamento. Desde os enfeites de vidro que ficavam posicionados na prateleira acima da televisão, até o tapete felpudo que se estendia por baixo dos móveis da sala. Eu teria sido um ótimo tapete.

Acordar, comer, trabalhar e dormir, era isso o que eu sabia fazer. Era exatamente isso que eu gostava de reproduzir. Meus dias se resumiam a isso, e eu gostava.

Mas então eu magicamente estava presa no chão da entrada de casa como uma árvore, plantada e enraizada ali por alguma obra do divino. E sem nem ao menos notar, com o olhar preso num profundo mar coberto de sombras negras, numa profundeza escura cheia de segredos e promessas.

— Boa noite, senhorita. — O homem de pé na minha porta murmurou com um belo sorriso tomando conta de seu rosto.

Aquela voz... foi como um tiro direto em meu peito. Senti um tremor incontrolável subir pelos meus calcanhares e tomarem minhas pernas, foi como se as borboletas que rodopiavam em meu estômago se espalhassem em minhas veias e tomassem meu corpo.

— E... o... — Imbecil! Me xinguei procurando a madeira do batente da porta para me apoiar.

Eu iria desmaiar.

— Minha intenção não era te assustar, sinto muito. — ele sorriu ainda mais largo e respirou fundo sem desviar o olhar do meu rosto. — Gosto de como seu cabelo se comporta.

Eu travei a minha própria respiração e consequentemente fechei os olhos em busca de alguma memoria de ter me visto no espelho nesse dia, péssima ideia. Cheguei em casa depois de fechar a loja e não me importei em sequer tomar um banho e pentear a bagunça que eu chamava de cabelo, lembro que os fios negros se misturavam em um pequeno desgrenhar e isso fazia com que parecesse um ninho de passarinho acima dos ombros.

— Droga... — Murmurei e corri para dentro esquecendo completamente da visita que eu tinha deixado na porta do meu apartamento.

A risada encheu o cômodo enquanto eu passava a escova freneticamente sobre os fios embaraçados, esqueci de quem estava ali e mal me importei se o deixei plantado esperando por seja lá o que fosse. Eu simplesmente não podia deixar que ele continuasse me vendo como uma louca.

— Espero que não se importe de esperá-la em sua sala, Ume. — A voz melodiosa e quase rouca me fez derrubar a escova após prendê-la em um dos nós, eu realmente tinha deixado aquele homem plantado na porta de casa e sequer fui educada e o convidei para entrar. Imbecil.

Me dobrei ate conseguir pegar a escova novamente e simplesmente continuei com o trabalho que eu estava fazendo, alinhei os fios na minha cabeça e guardei a escova dentro da gaveta. Eu precisava voltar para a sala e descobrir o que ele estava fazendo ali, descobrir os motivos para que ele tivesse a coragem para aparecer na minha porta sem que eu tivesse lhe enviado o endereço e o numero do meu apartamento.

Mas a minha aparecia acusava meu estado interior, como poderia aparecer na frente dele tão vermelha e coberta de vergonha por estar assim? Eu mesma sabia que isso era um problema, mas ele estava ali, dentro da minha casa para sabe-se lá o que. Mas minha curiosidade também me traía, queria sair de dentro do cubículo que era meu banheiro e me perder no fundo daqueles olhos negros enquanto ele sorria minimamente para meu jeito sem jeito.

Apertei a borda da pia e tentei controlar o sangue que havia tomado conta do meu rosto, no entanto, eu não fazia ideia de como se fazia isso, então apenas suspirei algumas vezes e engoli o excesso de saliva que tomava minha boca por causa da ansiedade.

Por Ele - KakashiOnde histórias criam vida. Descubra agora