Despedaçar de peito

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ELENA

Haviam dias que Marina não aparecia.

Eu nem mesmo a via nos corredores, nem nos horários de refeição. Parecia que havia desaparecido de vez, e eu não sabia se considerava isso bom ou ruim.

Claro, eu havia reclamado casualmente com o capitão por sua invasão, mas do jeito que a mulher mostrava ser inconveniente e desprovida de pudor, não achei que surtiria todo o efeito que surtiu.

Se por um lado os dias passaram a ser mais tranquilos e calmos, por outro se tornaram entediantes e monótonos. Sem falar com Marina e satisfazer suas perguntas, a rotina no navio era sem graça. Não que eu estivesse preocupada com ela, era melhor ficar longe daquela pirata de vez. Ela não presta.

Faltavam apenas 7 dias para estar na Bahia e me casar com... bem... Marcos. Não consigo nem mesmo dizer isto para mim mesma.

Quando todos estavam em seus aposentos para dormir, senti sede, e tive de ir à cozinha para pegar um pouco de água. A este horário o navio estava silencioso, tudo que havia do lado de fora das cabines era a luminosidade da lua e as estrelas. Era lindo, o som do mar e a Lua refletindo na água parecia uma pintura, quase inacreditável perfeição, a não ser por, não poderia ser, Marina.

A mulher estava sentada no chão, a parte de fora da cozinha, com duas garrafas vazias de licor e uma pela metade, que estava em uma de suas mãos, virava-as pelo gargalo, dando grandes goladas e fazendo careta por causa de seu amargor. Quando a terceira garrafa acabou, ela colocou-a no chão e me encarou, dando uma risada sarcástica.

- Oh, é você, certo? Talvez eu esteja alucinando por causa da embriaguez. – Marina disse, colocando a mão em sua camisa branca e abrindo alguns botões – Já que tu és uma alucinação, posso dizer-lhe tudo, não é?

Estava paralisada, não sabia ao certo como lidar com uma mulher bêbada deste jeito, era algo completamente novo. Marina tomou o silêncio como um sim, e continuou:

- Muito difícil, sabes? Desde o início desta viagem quando nos cruzamos nestes corredores tento conhecer-lhe, estou interessada em saber o que se passa em sua mente, e nos últimos dias tenho pensado apenas em provar de seus beijos...

- Estás enlouquecida?! – disse eu chegando perto da mulher jogada ao chão – Como esperas que eu beije-lhe os lábios? Somos mulheres!

- Então para que foram feitos nossos lábios? – Indagou ela, levantando-se e com dificuldade se pondo de pé à minha frente.

Estava paralisada novamente. Ela enroscou seus dedos aos meus, chegando mais perto, ficando a poucos milímetros do meu rosto. Eu mal conseguia respirar, mas reuni todo o fôlego que tinha para me afastar.

- Qual é seu problema?! – Marina explodiu quando me afastei, empurrando-lhe, e ela desequilibrou, caindo no chão. Ela me olhava com ódio, com raiva que não lhe cabia em mente, e dava à sua pele um tom avermelhado forte.

Estava cansada das gracinhas desta mulher. Quem ela pensa que é para pensar que pode fazer o que quiser comigo? Mexer com meu corpo desta forma e apenas parar quando bem entende?

- Qual o meu problema? Isto é sério?! – Não segurei a fúria que se expandiu em meu peito, e estava claro para ela também pois em um estrondo senti meu rosto esquentar e meus olhos se apertarem.

- Sim, é sério sim. – A mulher se levanta, avançando em minha direção, de forma incisiva – Por causa de sua curiosidade e imprudência – ela andava contra meu corpo, apontando o indicador para meu rosto, com uma das sobrancelhas erguida e um ar de nenhuma ou pouca noção do que diz - fui obrigada a ficar neste navio, e estive tentando conhece-la há dias sem sucesso, pois tu decidiras ser cruel comigo sem motivo algum, já que lhe tenho ajudado desde que fui intimada pelo destino a cruzar meu caminho com o teu.

- Aparece em minha vida no pior momento possível e sem mesmo me conhecer, tentando faze-lo de forma rude e incisiva sem pensar em como me sinto em relação a isso. Se há alguém desconfortável e condicionada nesta situação, este alguém sou eu!

Não fazia ideia de onde tinha tirado toda aquela força para dizer o que há dias queria, mas não tudo.

- Ah certo, entendo que tenho lhe importunado nos dias que se passaram, mas por Deus, eu lhe presenteei com uma rosa, tu poderias ter me poupado de problemas e me dito que não desejava, ao invés de reclamar com o capitão deste navio, não acha?!

- E isto serviria de algo? – Repliquei, e percebi que sua expressão se suavizara, ela realmente refletia – tenho pedido para que me deixasse há tempo, mas a senhorita não me deixa!

- Ainda não acho que está correta, nunca teve interesse em mim? Não me diga que sou a única a sentir o que me ocorre quando toco teu corpo. – Marina estava aflita, isto era visível em seus olhos, mas apesar de querer lhe dizer a verdade, precisava cortar seja lá o que há entre nós.

- Sabe qual o problema, Marina? Sua libertinagem não tem limites, e isto esgota todos ao seu redor. – Isto foi um golpe em cheio na mulher, que agora voltara a enfurecer-se – E não sei o motivo, não sei se é porque tu es uma pirata que vive a vida de forma indigna e suja, ou se é natural para ti, mas para mim não é.

Era possível ver à luz do luar seus olhos marejados, suas bochechas vermelhas e punhos cerrados. Eu a magoei demais, mais que o planejado. Agora Marina estava se retirando, deixando-me para trás, cambaleando embriagada. Eu estava deixando-a ir, triste e também quase chorando. Jamais imaginara ser capaz de fazer algo assim para qualquer pessoa.

Meus pensamentos estavam a mil, a culpa era incessante e o desespero acredito ser mútuo. Até que
ouvi um estrondo. Marina estava no chão.

15 dias de Eros - SáficoOnde histórias criam vida. Descubra agora