Pagando para ver

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ELENA

Todos já haviam se recolhido em suas cabines para dormir a esta altura, apenas eu estava acordada. É muito tranquilizante escutar as ondas do mar tarde da noite, apenas silêncio e o barulho repetitivo de ondas batendo na madeira do barco. Senti saudades do burburinho e agitação do Rio de Janeiro, que a estas horas estaria submerso num silencioso sombrio e anormal se comparado ao meio-dia.

Antes de viajar eu não estava preparada para os movimentos constantes que o mar causa. Motivo de me ter feito deixar minha bagagem aberta e ter saído para conhecer o convés - o que não foi exatamente uma boa ideia, pois é surpreendente o número de pessoas que se sentem enojadas durante a viagem, eu vi uma mulher pondo todo o seu café da manhã para fora. Logo tive que retornar à cabine - para também não colocar o jantar de ontem para fora, - e chegando lá, minhas roupas estavam no chão, latas de tinta derramadas, e meu pote de conchas quase caindo e quebrando: um caos.

Durante o dia não tive muito tempo de fazer nada, passei a tarde toda arrumando e limpando a bagunça que o mar fez em minhas coisas. Colocar coisas em ordem ajuda a passar o tempo, - e me distrai da falta que Clarice faz - apesar de não ser uma atividade extremamente divertida.

A parte boa de estar em uma estalagem confortável é que tudo que preciso fazer é observar a paisagem e tentar não me concentrar no cheiro de vômito que toma o barco toda vez que saía para fazer as refeições na cozinha. A mesma mulher vomitava todas as refeições e ninguém lhe ajudava, eu tinha pena, mas nem me atrevia a me aproximar.

Por mais que tantasse com todas as forças me distrair, minha mente voltava à imagem de minha melhor amiga aos prantos debaixo daquela árvore.

Sempre fora linda, os olhos castanho-claros eram ressaltados pelos cabelos castanhos quase loiros. A pele pálida tinha pequenas pintinhas sobre o nariz, e a maçã do rosto tinha um tom rosado quase uniforme. Mas naquele dia, os olhos marejados, rosto inchado e bochechas encharcadas de lágrimas partiram meu coração. Tinha vontade de abraçá-la e dizer que ficaria, mas não é verdade. Nunca será.

Foi demais pra Clarice. Após perder os pais, talvez tenha sido eu a única certeza que ela tinha. A constância. Algo que não muda. Acontece que eu mudei, estou indo para Bahia me casar, mas não vou deixar que isso aconteça.

Logo vou voltar para ela.

Pensamentos ininterruptos sobre a jovem me custaram horas a fio sem que eu percebesse, e já era de noite. A luz da lua iluminava o quarto quase por completo, não precisei nem mesmo ascender uma vela.

O capitão pediu para que cada passageiro ficasse em sua cabine para dormir. É claro que eu não fui dormir, eu fiquei acordada por um bom tempo.

No meio da noite, enquanto desenhava - ou tentava desenhar - uma pequena rosa branca algo anormal aconteceu. A esta altura, o silêncio na embarcação foi substituído por passos - muitos passos- do lado de fora das cabines. Parecia ser tarde da noite, então provavelmente não eram os marinheiros de meu barco que estavam perambulando pela embarcação. O que haveria de ser?

Alguns dos passos ficaram cada vez mais distantes, até que ficassem inaudíveis, mas havia apenas um, um som de passo que parecia um pouco mais cauteloso que todos os outros - que eram brutos e barulhentos, provavelmente por pensarem que todos estavam dormindo - e que parecia-me aumentar a cada segundo.

Resolvi seguir o som dos passos corredor a fora, estava incrivelmente interessada em saber o que estava acontecendo no convés. De repente, quando estava prestes a conseguir enxergar quem era aquele que seguia, os passos pararam e começaram a ficar mais altos. Seja lá quem fosse o dono dos passos, estava vindo na minha direção. Como eu estava no meio das cabines, e havia um labirinto de corredores - no qual me perdi há poucas horas tentando encontrar minha cabine - resolvi me esconder despositando passos largos entre os corredores. Até que comecei a correr.

Andando pelos corredores, apavorada e sendo perseguida por alguém tão curioso quanto eu, acabei me perdendo.
Os muros de madeira não se diferenciavam em nada uns dos outros, fato que me trouxe até aqui.

Depois de muito tempo - que não pareceram minutos nem horas, mas dias, semanas, meses - tentando fugir da pessoa que me perseguia freneticamente, tento virar à esquerda, sem saber muito bem onde estava, e me deparo com uma parede a minha frente. Olho para a minha direita, uma porta - possivelmente de outra cabine - à frente, uma enorme janela que eu não sei ao certo para onde pode me levar - podia tanto me levar à morte, quanto para um pequeno barco que eu havia reparado ter ao lado do navio, mas eu tinha apenas alguns segundos para olhar e avaliar qual era a melhor opção de escolha, então resolvi arriscar.

Olhando para traz, uma silhueta se formava contra a luz de um lampião: camisa branca, calças, botas, um cordão - aparentemente de prata, que cintilava mesmo com a luz escassa do corredor - e cabelo curto... um homem. Considerei enfrenta-lo, dizer-lhe para que não me fizesse nada de mal e que logo voltaria à minha cabine para dormir, talvez pudesse enganá-lo dizendo que minha família é afortunada e que ele poderia ganhar muito dinheiro às minhas custas. Antes de pensar em outras alternativas e com muito medo, a exímia decisão de me jogar da janela, seja lá para onde ela me levaria, se tornou a opção mais sensata por incrível que pareça. E foi isso que eu fiz. Bom, tentei fazer.

Quando me debrucei sobre a janela, uma mão macia e pouco delicada, tocava meus ombros me segurando contra si, me puxou para trás, levando sua outra mão à minha boca imediatamente, me impedindo de gritar. Este seria o meu fim? Talvez sim, e este não seria um fim muito glorioso, o que me desapontou muito.

15 dias de Eros - SáficoOnde histórias criam vida. Descubra agora