Ser o que quisermos

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MARINA

Passei os últimos anos angustiada.
A carta de Elena primeiro enchera-me de alegria, depois de le-la fiquei deprimida por meses. Nela, ela dizia que na verdade nunca me amou, e que estava indo para o interior casar-se com Marcos. Acreditaria que fora falsificada se não fosse sua caligrafia no papel.

Elena disse que tinha nojo de mim, e de tudo que houve entre nós. Me disse para esquecer dela e tudo que vivemos juntas.

O mais curioso é que o que aconteceu foi o exato contrário. A cada dia que se passava eu me lembrava mais, tudo se tornava mais vivo, porém sua voz e beijo ficavam cada vez mais distantes da minha memória.

Confesso que tentei substituir Elena por qualquer mulher minimamente bonita ou interessante, mas já era de se esperar que nenhuma delas jamais seria nem parte do que Elena era para mim. O meu amor.

Por isso, e por mim, segui minha vida. Retomei o controle sobre meu navio, comandei batalhas e enriquecemos.

Mas saindo do meu posto de capitã, quando já era a noite, as vezes ainda sentia saudade dela, lembrava do seu toque e da luz do sol nascente em seu rosto, ou das rosas que dei a ela um dia e chorava.

Ela não me amou, mas eu a amava demais.

Este foi o motivo pelo qual quase morri quando a vi dentro daquela sala, praticamente irreconhecível com aquelas vestes e a espada apontada para mim, e ela parecia sentir o mesmo.

A esta altura eu acreditava que ela estaria rodeada de filhos numa casa de campo, mas aparentemente não foi com esta Elena que encontrei.

Seus cabelos negros estavam um pouco mais longos, porém presos no topo da cabeça, as vestes já não eram vestidos marrons ou azuis como no navio, mas calças e uma camisa que parecia velha, mas os olhos... Estes continuavam os mesmos, e estavam arregalados me observando.

Que tipo de loucura era esta?

Elena  largou a espada no chão, fazendo muito barulho.

- Ma-Marina?!

Eu sentia um misto de sentimentos: amor, saudade, alegria, medo, expectativa, e sobretudo, raiva.
Elena andou em minha direção devagar, como se a qualquer momento eu pudesse desaparecer, e eu permanecia parada em choque, sem saber responder ou reagir, mas tive que me afastar quando ela chegou perto.

- Saia de perto de mim, Elena. - e então ela parou, parecendo perplexa e sem reação alguma. Não esperava por isto, claramente.

- O que aconteceu? - vi seus olhos marejados me observando, e percebi os meus iguais aos dela. Estava magoada.

- Ainda perguntas?! - andei para perto dela, enquanto ela andava para trás, parecendo assustada - Aquela carta revelou mais que deveria para mim, desmentiu aquele cenário patético que criei sobre você também me amar e sobre o que achei que sentimos uma pela outra...

- Marina. - ela me chamava, mas eu me mantive inabalada, ainda andando em sua direção e ela recuando.

- ...Tudo foi por terra, o mais curioso é o que você ainda faz aqui? Piratas não são sujos? Corruptos? Por que se tornou um deles? - Elena bateu contra a parede, já chorando e me olhando com tristeza, e eu ainda avançava, me aproximando dela.

- Marina! - gritou.

- Por que andou com estes idiotas ao invés de estar comigo no meu navio onde seria amada? - minha voz já estava embargada pelo choro, e falhava enquanto eu tentava me manter equilibrada.

- Meu amor. - ela disse em sussurro para mim, e eu parei de falar. Agora me lembrei disto também. - Não sei que carta te deram, e posso te explicar tudo, mas o que lhe escrevi foi que te amo para sempre, e que iria te procurar até encontrar-te.

Eu chorava junto dela, que segurava meu rosto com as duas mãos enquanto falava comigo. Era tudo confuso, estava tudo muito estranho. Era loucura, mas ela me amava.

Elena me ama.

- E encontrei, não é mesmo? Te prometo que nunca mais vou embora. - disse, e eu não sabia no que acreditar: nela ou em mim. Decidi acreditar nela no instante em que nossos lábios se juntaram.

Tentei me afastar mas ela puxou meu rosto e beijou-me os lábios de forma desajeitada, como se tivesse perdido o hábito. Eu não sairia deste lugar jamais.

Envolvi-a com meus braços e o beijo desajeitado se tornou profundo e cheio de saudade, tão bom quanto era a seis anos. Agora eu me lembrava de seu toque.

Eu a amo.

ELENA

Separamos o beijo apenas quando perdemos o ar, mas continuamos abraçadas. Qualquer distância entre nós se tornara uma tortura, uma dor insuportável.

- Te odiei por muito tempo, querida. - disse ela, parecendo confusa e chorando. - O que aconteceu? Acredito em ti.

Contei um resumo de tudo que aconteceu comigo, e tentei entender o que aconteceu com ela também. Contei sobre ser procurada pela guarda, sobre meu plano com Marcos, sobre a carta, sobre minha procura, e sobre meus anos ao mar. Ela me contou sobre sua vida, pensamentos e falta de esperança. Percebi que havia muita mágoa nela.

Alguém deve ter trocado minha carta de propósito, porém não consigo imaginar quem tenha feito isto. Marina acredita que talvez possa ser Clarice, contudo confio em minha amiga, tenho certeza que ela jamais faria algo desta dimensão comigo.

Depois de alguns minutos conversando, Marina parecia urgente para me tocar a todo custo, e eu tentava ainda conversar e recuperar o tempo perdido entre nós.

Parecia não haver uma luta no andar de cima da embarcação, muito menos uma quantidade significativa de homens que jamais poderiam saber sobre nós. Éramos apenas eu e Marina, naquela cabine que tornava-se nosso pequeno mundo.

- Quer dizer que... Tu me procuraste... Por todo este tempo... Querida? - Marina fez questão de começar a distribuir beijos por meu pescoço de maneira preguiçosa enquanto conversávamos, sabendo que eu estava a beira da loucura. Era proposital.

- S-Sim - foi o que consegui dizer, e ela soltou um riso abafado e brincalhão, com cara de criança levada. Irresistível.

- Me beija logo!

Então ela voltou a depositar seus beijos, porém para mais perto do meu colo.

- Mas eu já estou te beijando. - mais um beijo.

Segurei seu rosto com as duas mãos, olhando em seus olhos:

- Mas não onde eu quero.

Beijei-lhe os lábios de leve.

Quando nos afastamos, Marina me olhava profundamente, e contou com sinceridade:

- Enquanto estava a minha procura, te escrevi cartas que nunca enviei contando sobre meus dias, e poesias também, quero que leia um dia... - ela soltou o ar numa risada pequena - eu te amo mais do que posso te dizer, Elena.

- Eu te amo.

E nos beijamos, o beijo mais profundo e carinhoso que já esperimentei em toda a minha vida.

E a partir daí, tudo deu errado.

15 dias de Eros - SáficoOnde histórias criam vida. Descubra agora