A garota com quem tinha um lance

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O último "tec" feito na máquina datilográfica soou na sala em anexo à biblioteca deserta.

Estava terminado. As escrituras destinadas à coluna do jornal foram recolhidas do compartimento, mas a pequena rasura no canto inferior e mais algumas palavrinhas incorretas por seu próprio descuido arrancaram-lhe o décimo suspiro naquela noite que parecia não acabar nunca.

Não podia chorar pelo leite derramado. Na manhã seguinte, entregaria aquela matéria à direção daquele jeito mesmo e pronto. O "discurso" de Iida havia sofrido as consequências de seu cansaço mental, uma vez que foi reduzido mais do que já havia feito nas anotações originais, mas não ligava. Não estava com cabeça para perfeccionismo — ao menos, não no momento.

A contrição presente em seu peito; o embrulhar do estômago; a ansiedade fraca, mas incômoda... esses estavam sendo tópicos que lhe lembraram da pessoa que era no passado. Do garoto tímido e chorão, que tinha como eterna companheira as lágrimas oriundas da intimidação que lhe rodeava a todo instante, externa e internamente.

Detestava aquela sensação. Sentia que estava fracassando consigo mesmo. Fracassando com todo esforço exercido para que, hoje, pudesse usufruir de uma vida tranquila e livre de complicações semelhantes às que antes era alvo. Não podia deixar tudo desmoronar quando as peças que compunham aquele castelo continuavam intactas. Devia isso à sua mãe. À sua própria sanidade. Estava inseguro agora, mas logo passaria.

Amanhã seria um dia melhor.

Com cuidado, guardou a máquina no lugar de sempre e apagou as luzes. Jogou o resto do café que havia surrupiado da sala dos professores num vaso de avenca pendurado na saída lateral do prédio. A "Recovery Girl", enfermeira da universidade, não ficaria nada contente, mas ela não tinha como saber que foi ele, de toda forma.

Não, sem café. Planejava dormir aquela noite. Esquecer tanto estresse e chateação seria ótimo.

A caminhada até os dormitórios não foi demorada. Pudera: antes mesmo de deixar a faculdade, o corpo de uma grande construção revestida por tijolos e algumas pinceladas de suvinil se enquadrou em sua visão. A arquitetura externa de toda universidade era bastante firme e bem-acabada — foi o que pensou na primeira vez que botou os pés ali. Já seu interior...

Ah, os universitários. Tão esplendidamente organizados...

Acessou a entrada principal do prédio masculino, mas bastou alguns passos para saber que vários daqueles quartos carregavam "brotos" curvilíneos e nem um pouco musculosos. Não entendia a coragem das garotas em entrar naqueles cômodos com cheiro azedo e repleto de shorts e camisas suadas espalhadas pelo chão. Não entraria, se fosse uma.

Poxa, que pensamento mais idiota. Precisava urgentemente de seu pijama, travesseiro e uma visita ao seu "baú açucarado". Não sabia o porquê, mas um bom caramelo sempre lhe oferecia uma boa noite de sono — muito mais que um chá de cevada ralo e sem graça.

Permitiu-se sorrir. Se pudesse ler pensamentos, Kacchan certamente lhe xingaria de nomes nada amistosos. Achava cômico o vício do greaser por chás e ervas saudáveis. Eles ficaram anos sem ver, mas velhos hábitos não mudaram. Pelo menos, a bebida salutífera compensava os dois maços de tabaco que ele devia fumar por dia...

Pulando dois degraus por vez, subiu para o primeiro andar. Trocou um breve diálogo com Tokoyami, que observava a noite pardacenta pela janela no fim do corredor. Um cigarro jazia entre seus dedos. O casaco longo de pelagem negra estava presente, bem como as botas de metaleiro. Ele era um membro da banda da universidade, mas aquele jeito "trevoso" já era uma característica enraizada do rapaz. Midoriya ficou sabendo disso em sua primeira semana ali.

Greaser | BakudekuOnde histórias criam vida. Descubra agora