Sim ou não?

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Quando terminou de empacotar a última caixa, Katsuki sentiu que mais um ciclo se encerrava.

Carregou-a para fora e, sem dedicar um último olhar ao quarto que ocupara durante quase um mês, fechou a porta. Talvez, em seu estado normal, sentiria mais satisfação por finalmente estar deixando aquele lugar de merda, mas, na real...

Não sentia nada.

Na sala, Sero o esperava. Surpreendentemente ele acordara bem cedo, e o ajudava a descer as coisas até o carro. Katsuki, por outro lado, passou a noite em claro, olheiras fundas, e até teria ficado mais tempo na cama se não tivesse tantas obrigações para aquele dia. Sendo assim, mesmo arregaçado, destruído e arruinado, ele levantou-se e pôs-se ao trabalho. Quanto a Sero, não sabia dizer se ele tinha alguma parada para fazer ou se de fato quis dar uma de altruísta; fosse o que fosse, não recusaria uma mão.

— É só isso? — indagou Sero com voz arrastada, como de praxe. Katsuki desconhecia seu nível de embriaguez naquela manhã; seus olhos estavam levemente avermelhados, mas nada fora do comum. — Pegou suas coisas lá no banheiro?

— Peguei.

Com uma sacola, Katsuki foi até a cozinha. Abriu armários e encheu-a com suas coisas: chás, mel, torradas, pacotes de balas de menta... Pensando bem, deixaria um para Sero. Ele precisava mais.

— Cê tá caladão há dias, Katsuki. — Sentado na caixa, o dito-cujo tirava sujeira das unhas, distraído. — Achei que ficaria feliz por ter achado outro lugar pra ficar.

— Pode apostar que isso é uma das minhas poucas satisfações no momento.

— Mas é bom você dar o fora mesmo. Assim os caras vão parar de ficar rondando o prédio.

— Pois é, eu sei que eles estão loucos pra enfiar uma bala na minha cabeça — disse Katsuki sem emoção, e deixou a cozinha. Havia pegado tudo. — Vou deixar você e a bruaca da sua tia em paz, fica tranquilo.

Sero saiu de cima da caixa após um gesto impaciente de Katsuki. Ela não era pesada, então deixou que ele a carregasse. Nas escadas, ele continuou falando.

— A tia vai achar tudo de bom você ir embora, vive te xingando. — Katsuki estalou a língua, pouco se fodendo. — Mas até que foi legal ter você aqui em casa. Suas panquecas dão de dez nas dela.

Olha só, um elogio. Katsuki gostava de elogios. Uma pena que estivesse tão na merda para se vangloriar.

— Vou gostar de não ver a cara feia dela também — disse apenas.

— Sorte a sua.

Enquanto colocavam as coisas no porta-malas, Katsuki não deixou de reparar nos vigias a poucos metros dali. Contou três: dois num poste e um na sacada do prédio à frente. Bufou. Tudo pau-mandado de Shigaraki; só serviam para checar a área e repassar informações. Para eles, Katsuki lançava olhares intimidadores sem problemas — evitava encrenca apenas com o líder. Apostava que, no segundo em que se mandasse, eles iriam direto contar a novidade àquele escroto.

Vira Shigaraki umas três vezes desde que chegou à cidade, dois anos antes. Nunca trocou uma palavra com ele, e não lamentava. Ele parecia um morto-vivo, até mais que Shinsou. Pele cinzenta e corpo raquítico. Coçava e esfolava o pescoço num tique desagradável. Katsuki ouviu por aí que era um problema de pele.

Hum, que aquela merda piorasse.

Qualquer distância dele era uma bênção. Sero estava certo quando disse que era a hora certa de Katsuki ir embora. Os conflitos entre gangues aumentavam na região, a pauta territorial sempre presente, e não era legal ficar no fogo cruzado, principalmente quando não tinha nada a ver com isso.

Greaser | BakudekuOnde histórias criam vida. Descubra agora