Eu não sabia

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Capítulo com menção ao suicídio e outros temas sensíveis, como violência e homofobia. 

***

Izuku sempre acreditou na expressão "e o mundo parou", embora muitos afirmassem não passar de uma hipérbole.

O caso era: ele já a vivera. Mais de uma vez. Não tinha como negar-lhe a veracidade, seria um tolo se o fizesse. Seu mundo parou quando, no fundamental, leu aquelas palavras caluniosas pichadas em seu armário, cujo conteúdo representou apenas o pico do iceberg do que viria a ser o pior dia de sua vida. Seu mundo parou quando o retorno dos boatos se deu ali, na universidade, e todos lhe olharam daquela forma horrível na cantina.

E seu mundo parou, ali e agora, quando Kacchan proferiu aquelas palavras.

Os boatos. Sobre você e Shindo. Fui eu que comecei eles.

Há momentos na vida em que o ser humano parece voltar às origens. Volta a ser o bebê ignorante e incapaz de entender o que acontece ao seu redor, egoisticamente focado apenas no que sente dentro de si mesmo. O externo não importa. Nada importa além dele, um serzinho inocente e indiferente a tudo que não seja carência e afeto. Um que precisa de apoio e auxílio para qualquer coisa. Pois não sabe pensar. Não sabe falar. Não sabe nada.

E era exatamente isso que Izuku sentia.

Um grande nada.

— Deku, por favor, me escuta... — Kacchan lhe olhava com uma mistura de medo e hesitação. Aproximou-se devagar. Dois passos. Izuku não recuou. Não teve reação alguma. Encarava-o, e só. — Você... ouviu o que eu disse? Você escutou alguma coisa?

Não o respondeu. Não fazia ideia de que cara estava fazendo, mas seja qual fosse parecia estar deixando Kacchan perturbado. A mão direita dele, trêmula, subiu poucos centímetros. Os dedos fecharam-se sobre a manga de seu casaco. Puxaram-na fracamente.

— Deku. — Tentou ele de novo. Izuku continuou mudo. — Você tá me ouvindo? Deku? — Silêncio total. — Porra, fala alguma coisa!

Izuku não conseguia. Não conseguia falar. Desaprendeu. Desaprendeu a fazer qualquer coisa. Kacchan enfim pareceu perceber o mesmo.

E se desesperou.

— Deku, por favor, me escuta! — As mãos dele se fecharam em seus ombros. O vermelho de seus olhos implorava por uma resposta, uma reação, qualquer coisa. — Eu não fiz de propósito, eu não sabia que aquilo ia acontecer, eu juro que não sabia, foi... foi tudo uma brincadeira, tá? Uma brincadeira idiota, eu só tava brincando, e-eu não sabia, eu juro pra você, por favor, acredite em mim, Deku, acredite em mim.

Ele falava rápido demais. As palavras se atropelavam, dicção arruinada. A voz tomada pelo desespero não alcançava Izuku, que nada acompanhava. Não conseguia acompanhar. Tudo girava. Tudo estava abafado. Nada fazia sentido.

Mas ele ainda podia ver. E o que via verter dos olhos de Kacchan só podia ser uma coisa.

Lágrimas. Muitas lágrimas.

Foi o suficiente para Izuku ter sua primeira reação.

Pois Kacchan não chorava.

— Não... — Sua voz estava esquisita. Clara. Sem emoções. Como se Izuku estivesse mergulhado numa bolha alucinógena e tudo parecesse mais lento que o normal. Continuava a encarar Kacchan, e dessa vez seus olhos exibiam algo. Confusão. — Isso não pode ser verdade — disse e negou com a cabeça, devagar. — Você nunca faria isso. Você não... você não faria, Kacchan.

Katsuki olhava para Deku em choque. Sentia algo quente e desagradável escorrer e umedecer seu rosto. Não percebeu que chorava. Não percebeu nada além da voz de Deku. Do tom dela. Sem julgamento. Sem raiva. O tom de quem não entendeu a gravidade da situação e ainda estava há quilômetros de entendê-la. Deku fez uma afirmação. Ele estava afirmando que Katsuki não faria uma coisa assim.

Greaser | BakudekuOnde histórias criam vida. Descubra agora