Pense em você, não em mim

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Passava das seis horas quando Izuku atravessou as portas do dormitório. Fazia uma manhã amena; o céu estava branco como leite recém-ordenhado e nuvens espaçadas ensaiavam um adeus, prometendo um dia fresco e ensolarado, perfeito para a final de beisebol...

Uma pena nada disso animar o estudante de jornalismo, que subia as escadas até o segundo piso como um zumbi. Sua mente parecia flutuar e ao mesmo tempo estar submersa em uma tina de água congelada. Sentia a cabeça pesada, e a enxaqueca que o acompanhou madrugada adentro, oriunda do choro, perdurava, embora menos potente. Mas o pior... ah, o pior era seu corpo.

Exausto. Cada centímetro dele.

Queria se esparramar em qualquer lugar e apagar. Dormir até acordar no além. Sabia que estava horrível — roupas amassadas, passos bêbados, rosto marcado por horas de lágrimas quentes. Corria o risco de desmontar ao mínimo sopro, e uma parte sua aliviou-se por ninguém estar acordado para vê-lo.

Morria de sono, mas precisava fazer coisas antes de se jogar na cama. Tomar banho era a primeira delas. Não dava para ficar como estava, com a pele ressecada de lágrimas, suor e saliva — que não eram só dele. E também... sentia-se estranho. Lá embaixo. Havia um incômodo cada vez mais difícil de ignorar conforme Izuku subia degrau por degrau, e tentou não pensar no motivo.

Diante da porta de seu quarto, girou a maçaneta e cambaleou para dentro. Seus sentidos estavam tão lentos que não reparou na figura que ocupava a cama à esquerda, confundindo-a com um amontoado de cobertores.

Mas cobertores com certeza não falavam.

— Midoriya — cumprimentou-o Shinsou, um livro aberto nas mãos. — Como vai?

Izuku tropeçou nos próprios pés e por muito pouco não bateu com a cara na quina da escrivaninha. Soltou um suspiro assustado e arregalou os olhos para o rapaz como se visse um fantasma.

S-Shinsou! — Sua voz saiu rouquíssima, e tossiu três vezes. — Meu Deus, não apareça assim, do nada!

Ele o olhou com desprezo.

— O quarto também é meu.

— É-É... isso eu sei, mas... — Izuku tropeçou até sua cama, onde se sentou e recuperou o foco. — Eu não esperava ver você.

Caíram em silêncio por alguns segundos. Izuku esfregava os olhos enquanto Shinsou o observava com mais atenção que o normal. Compreensível. Fazia o quê? Dois meses que não se viam desde que ele decidiu se mandar para não ser envolvido nas fofocas sobre seu incidente?

Bem, ele não mudou nada; as roupas escuras e as olheiras marcavam presença. Cogitou que ele devia ter voltado há pouco tempo, pois parecia ter passado a noite em claro também. Notou também as roupas de cama novas e o abajur em seu lugar habitual na escrivaninha. Uma bolsa e materiais didáticos aboletavam-se ao pé da cama.

É. Pelo jeito acabaram-se os dias com o quarto todinho para Izuku.

Tanto faz. Só queria que ele parasse de o observar. Sentia-se exposto. Culpado. Como... se ele soubesse, soubesse o que Izuku fez há poucas horas. Sentia os olhos dele averiguando particularmente suas roupas — cuja retirada em algum momento da noite era evidente, assim como o posterior ato de revesti-las —, o inchaço e vermelhidão em seus próprios olhos, e, também...

Os chupões escancarados em seus maxilares e pescoço.

Merda.

— Você tá péssimo — comentou Shinsou por fim, e voltou ao livro. Izuku reconheceu a capa; era uma ficção científica que lera há dois anos. Achou-a mediana. — Não é comum te ver passando as noites fora, Midoriya. Hábito novo? Ou estava na festa do Ojiro, como todo mundo?

Greaser | BakudekuOnde histórias criam vida. Descubra agora